quarta-feira, 2 de agosto de 2017

A Festa das Neves em Portugal

Em agosto, no dia cinco, acontece uma das mais importantes festas em homenagem a Nossa Senha das Neves, em Portugal, na localidade denominada de Largo das Neves, um espaço de convergência das freguesias de Villa Punhe, Mujães e Barrosela, denominado também, de Triângulo das Neves pertencente ao Distrito e a Diocese de Viana do Castelo. A cidade de Viana do Castelo, localizada no norte de Portugal, fica a cerca de 70 quilômetros do Porto e 390 de Lisboa, é rica em patrimônio cultural material e imaterial.
Mas é a romaria de Nossa Senhora d’Agonia, sem dúvida nenhuma, a maior e mais importante festa popular da região, que se realiza na segunda quinzena de agosto no Conselho de Viana do Castelo.
Essa Festa das Neves tornou-se popular a partir de 1634 quando se espalharam por Portugal as capelas em devoção ao culto mariano.
Conforme a tradição oral a Festa das Neves foi criada como pagamento de promessas do um imigrante português, João Pires Ramalho, retornado do Brasil e como fundador da Casa da Torre das Neves funda também uma capela em devoção a Santa Maria das Neves. A capela passou por períodos de decadência até ser reconstruída pela piedade barroca e a partir de 1657 as missas semanais e as romarias no dia 5 de agosto eram frequentadas por devotos de várias localidades da região polarizada por Viana do Castelo, principalmente das três freguesias, Villa Punhe, Mujães e Barrosela.
O historiador português Alberto Abreu, no seu livro sobre Auto da Floripes na Festa das Neves diz:

“Em 1859 refere o Almanach de lembranças luso-brasileiras que a romaria atraía “centenares de romeiros de todos os arredores”. A atracção popular tinha uma motivação acrescida na concessão de indulgências. Com efeito, o papa Pio IX concedeu à capela de Nossa Senhora das Neves o privilégio de altar, que concedia uma indulgência plenária aplicável ao defunto por cuja alma fosse celebrada uma missa no altar principal desta capela. Mas foi já no início do século XX que a capela foi refeita, em 1907, e inaugurada a reconstrução em 1908” (ABREU, 2001, p. 21).

No início do século XX a Festa das Neves toma um caráter religioso e profano com novenário, procissão, romarias, manifestações folclóricas e quermesses com os tradicionais comes de bebes.  Uma das atrações da festa é a encenação do Auto da Floripes, aguardada com grande expectativa pela população do Lugar das Neves e seus entornos.

O Auto da Floripes

Nas festas religiosas e profanas em Portugal podemos observar importantes manifestações tradicionais que têm as suas origens na Idade Média e entre tantas outras tradições que persistem são as várias versões das batalhas entre cristãos e mouros comandadas pelo imperador Carlos Magno. As inúmeras representações dos feitos de Carlos Magno são narradas nos folguedos, nas danças, nas músicas, na literatura e no teatro popular português e aqui no Brasil chegaram nas caravelas e continuam presentes nas nossas tradições culturais.    
O Auto da Floripes é uma narrativa teatral popular do ciclo carolíngio, espetáculo que conta a história das batalhas entre cristãos e mouros encenadas por populares no Largo das Neves durante a Festa de Nossa Senhora das Neves. A encenação, a estrutura e os diálogos do espetáculo desenvolve-se, há centenas de anos, com o mesmo objetivo, contar a história da derrota dos mouros pelos Doze Pares de França comandados pelo Imperador Carlos Magno. O Auto da Floripes é uma criação popular e encenada há centenas de anos pelo povo das três freguesias vianenses.
Como quase toda a manifestação da cultura popular, aqui e ali, o Auto da Floripes passa por processos de atualizações introduzindo novos elementos ao espetáculo. Alberto Abreu, sobre as inovações na encenação do Auto da Floripes, citando Cláudio Basto, transcreve: “Em 1933, porém, os soldados cristãos envergavam fardas brancas, trazidas por um brasileiro dum carnaval carioca”. Mas, segundo Abreu a inovação não pegou e os fardamentos dos soldados cristãos voltaram à moda tradicional. Mesmo assim, no decorrer do tempo, outras inovações são introduzidas nas indumentárias e no texto, conforme a dinâmica cultual.
O Auto da Floripes narra a história da derrota dos mouros pelos cristão, do bem contra o mal, de amor e ódio, com as cores predominantes do vermelho, do azul, do amarelo e do cinza nas indumentárias e cada uma tem o seu simbolismo para diferenciar os cristãos dos mouros. Carlos Magno, Ferrabrás, Roldão, Balaão, Oliveiros, Floripes, Soldados cristãos e mouros, Brutamontes e outros atores do povo, que vivem com entusiasmo cada personagem do espetáculo carinhosamente assistido pela população de Villa Punhe, Mujães e Barrosela e outras localidades que se concentram no Largo das Neves no 5 de agosto, dia da Festa da Neves em Portugal. (Acesse aqui o vídeo do Auto da Floripes).
João Pessoa, a capital do Estado da Paraíba, completa este ano 432 anos e, no dia 5 de agosto celebra a festa de sua padroeira Nossa Senhora das Neves, que ocorre há centenas de anos, cada vez mais desprestigiada pelas autoridades e parte da sociedade local, mesmo sendo uma das mais antigas festas religiosas e profanas do Brasil.
Por onde ando, especialmente fora do Brasil, vejo o ressurgimento das festas religiosas e profanas em homenagem aos padroeiros e padroeiras das cidades. A tradicional Festa das Neves em João Pessoa continua enraizada na nossa memória e na tradição cultural não só dos pessoenses mas dos paraibanos.
Precisamos de um João Pires Ramalho que ao retornar do Brasil para a sua terra Portugal incentivou a piedade popular de Nossa Senhora das Neves em Viana do Castelo.
Agradeço aos amigos estudiosos do folclore português Alberto Abreu e Alberto Rego pelas informações sobre a Festa das Neves e o Auto da Floripes.

Referências
ABREU, Alberto A. O Auto da Floripes no imaginário minhoto. Viana do Castelo\Portugal: Câmara Municipal, 2001.
Memoria Media. Registro Integral do Auto da Floripes em 2016. Vídeo disponível no You Tube      <https://www.youtube.com/watch?v=guJwUzQwnoU  > Acesso em 2 ago. de 2017.