segunda-feira, 15 de junho de 2015

A Centenária Cavalhada de Chã Preta* no Estado de Alagoas

Nos últimos anos venho estudando e observando as festas tradicionais brasileiras, mais especificamente as festas do ciclo junino de celebração aos santos populares (Santo Antônio, São João e São Pedro) e as festas do ciclo do Carnaval. Mas as nossas festas tradicionais estão interligadas por redes socioculturais e religiosas cujas origens vêm das experiências de tempos e espaços remotos, com suas vinculações e veiculação em tempos e espaços contemporâneos.  Ou seja, as festas populares estão sempre em evolução, são dinâmicas, são transmitidas pela tradição de geração em geração e chegam aos dias atuais incorporadas de novos significados.
E como estudar e investigar as festas de determinadas épocas, como as festas de São João, que aqui no Nordeste são tão fortes, bem como o Carnaval, que sem dúvida é a maior festa popular do Brasil? É quase impossível estudar, investigar isoladamente as tradicionais festas, sagradas e profanas, celebradas durante todo o ano em homenagem aos santos padroeiros das mais de cinco mil cidades brasileiras em que o tempo e espaço de suas realizações são determinados pelo calendário religioso e na atualidade influenciadas pela mídia.
Por isso é que estou estudando a Festa do Divino Espírito Santo, festejado no dia de Pentecostes, 50 dias depois do domingo de Páscoa, que por sua vez é celebrada 47 dias depois do carnaval. Podemos ainda incluir o Natal que aqui é celebrado no período do solstício de verão e no velho mundo no solstício de inverno, assim como a festa de São João que é celebrada no solstício de inverno do hemisférico sul e no solstício de verão no hemisférico norte. São essas interligações do calendário da religiosidade popular que determinam o tempo e espaço das principais festas tradicionais brasileiras. Melhor dizendo, as festas tradicionais são vinculadas e veiculadas em redes de comunicação interligadas nos espaços e tempos, sagrado e profano, do catolicismo popular, trazidas para o Brasil pelos colonizadores portugueses. E para estudar essas festas, mesmo na atualidade, precisamos compreender os processos de incorporação das festas pagãs ao calendário cristão nos longos anos de demanda do cristianismo e do Santo Graal no ocidente.
A festa do Divino no século XIV já estava incorporada às festividades da Igreja católica em Portugal sob o patrocínio da rainha D. Isabel (1271-1336), esposa do rei D. Diniz (1279-1325), que durante o seu reinado criou em 14 de março de 1319 a Ordem de Cristo substituta e herdeira do patrimônio material e religioso da Ordem dos Templários. A nova Ordem passou a ter poderes religiosos e militares em todo território português, estruturada estrategicamente numa importante rede de castelos, mosteiros e igrejas medievais com o objetivo de combater os infiéis.  Essas redes socioculturais e religiosas de difusão do cristianismo, na idade média, são sistematizadas por processos hegemônicos de comunicação do estado e da igreja em toda Península Ibérica, primeiro pela oralidade e posteriormente pela escrita.
As batalhas contra os mouros pela reconquista do território português lideradas pelos reis católicos são até hoje celebradas simbolicamente através das danças e dos folguedos, representados nas disputas entre os Cordões Encarnados (mouros) e os Cordões Azuis (cristãos). Na literatura popular as narrativas sobre as gestas de Carlos Magno e os Doze Pares de França são contadas e cantadas nos versos do cordel.
E assim as estruturas do poder da comunicação da igreja católica medieval, chegam, nos dias atuais, resignificadas por diversos processos de comunicação e conteúdos da sociedade midiatizada. O livro Duas lanças: 100 anos da cavalhada de Chã Preta chega as minhas mãos num tempo e espaço importantes para a ampliação dos meus estudos sobre as festas tradicionais e especialmente pela quantidade e qualidade de dados sobre as festas do Divino no Brasil e notadamente a de Chã Preta.
Neste livro, Olegário Venceslau da Silva, nos traz importantes informações sobre a origem da festa do Divino Espirito Santo e consequentemente como chegaram as cavalhadas aqui no Brasil. O autor faz uma imersão na historiografia da difusão das festas nas diferentes regiões do país, descrevendo as suas singularidades em cada localidade desde as corridas de argolinhas aos grandes espetáculos das cavalhadas de Pirenópolis no Estado de Goiás. Olegário, cuidadosamente nos dá importantes referências sobre a folclorização das Festas do Divino Espírito Santo e as representações das cavalhadas em quase todo território brasileiro. No seu longo percurso, Olegário, aborda as diferentes regiões, mas esbarra na pequena cidade de Chã Preta em Alagoas, onde descreve em detalhes a Festa do Divino Espírito Santo e a centenária cavalhada criada por tradicionais famílias chãpretenses, até hoje mantida pelos descendentes de Pedro Teixeira de Vasconcelos.
Olegário, no seu livro registra para a posteridade a história dos 100 anos da Cavalhada de Chã Preta, que enriquece ainda mais o vasto acervo bibliográfico sobre as manifestações do folclore alagoano estudado e divulgado por folcloristas, etnólogos, sociólogos e antropólogos como Pedro Teixeira, Manuel Diegues Junior, Theo Brandão, Aluísio Vilela Brandão e, de uma geração mais recente, os trabalhos de José Maria Tenório e Ranilson França, só para citar esses entre tantos outros que tiveram e continuam tendo importância nos estudos da cultura do Estado de Alagoas. Agora incluo na minha lista de referências o livro de Olegário. Graças aos estudos e observações dos folcloristas do passado podemos compreender e analisar as manifestações culturais tradicionais, assim como a festa do Divino Espirito Santo, na contemporaneidade.
Cada vez mais necessitamos de trabalhos de jovens que se dedicam aos estudos das manifestações culturais da sua localidade, da sua paróquia, assim como Olegário Venceslau da Silva, que faz uma reflexão teórica sobre a incorporação da festa do Divino Espirito Santo na cultura brasileira, mas é na descrição da cavalhada de Chã Preta, o seu chão de nascimento, que o autor desenvolve a parte mais rica e a mais importante do seu livro.
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[*] Chã Preta é um município brasileiro, do Estado de Alagoas, com mais de sete mil habitantes, localizado na região norte do Estado, a uma distância aproximada de 100 quilômetros de Maceió, a capital alagoana.