sexta-feira, 25 de novembro de 2011

A 248ª Romaria de Nossa Senhora da Penha em João Pessoa - PB

A sociedade humana,mesmo com o desenvolvimento das novas tecnologias do mundo globalizado,continua a tradição de depositar oferendas nos santuários ou em lugares considerados milagrosos, o desejo do devoto é realmente de fazer a caminhada até o local de sua devoção. Nas últimas décadas as formas de representação destas manifestações religiosas, promessas ou ex-votos, estão se modificando para atender novos desejos de consumo dos devotos inseridos na sociedade midiatizada.

Este ano em João Pessoa acontece a 248ª Romaria de Nossa Senhora da Penha que, a exemplo dos últimos anos, deverá ser acompanhada por cerca de 200 mil pessoas, sem dúvida a maior manifestação do catolicismo popular da Paraíba e um das maiores do Nordeste, é um exemplo evidente da capacidade de recriação e, sobretudo, de resistência de uma manifestação religiosa tradicional que desafia o mundo globalizado. São pagadores de promessas, romeiros que usam cada vez mais a Folkcomunicação como sistema de diálogo e medição com a sua santa de devoção. 

O Santuário de Nossa Senhora da Penha é um importante exemplo desses novos processos de pagamento de promessas que são depositadas na casa dos milagres em agradecimento pela graça alcançada. É grande a quantidade de promessas (ex-votos) em gesso, parafina, plástico, madeira, fotografias, CDs e DVDs, anúncios em jornais, propagandas políticas e tantas outras manifestações Folkmidiáticas expostas no Santuário da Penha como testemunhos de acontecimentos de uma sociedade.

São representações de partes do corpo humano significando curas de doenças, são representações de casas através de “maquetes”, fotografias de ritos de passagens tradicionais e contemporâneos, assim como nascimentos e casamentos, a aquisições de bens de consumo como carros, motos, TVs, CDs e DVD Players. Na sala dos milagres do Santuário de Nossa Senhora da Penha o antigo e o novo, o tradicional e o moderno estão representados nas promessas (ex-votos).


Com a globalização do mundo contemporâneo, ao invés da tão propagada homogeneização cultural, do desaparecimento das culturas locais, o que estamos assistindo é uma ressignificação das manifestações culturais locais e consequentemente das manifestações folclóricas e das culturas populares. Um exemplo dessas novas clivagens é o ressurgimento da milenar manifestação religiosa de pagamento de promessas em santuários, capelas, grutas, cemitérios, cruzes de beiras de estadas, cruzeiros nos altos dos morros e em tantos outros lugares de romarias que se espalham em áreas urbanas e rurais de todas as regiões do país.  
A identidade cultural do local é uma realidade construída e partilhada com os mais próximos na troca de experiência face a face, porque é uma troca real de conhecimentos vivida cotidianamente, mas cada vez mais conectada nas redes de comunicação do mundo globalizado. O que existe são tensões entre o global e o local na reconfiguração das identidades locais com as suas representações vinculadas às formas e características de cada lugar e a Romaria de Nossa Senhora da Penha consolida-se na atualidade superando essas diversidades. Foi assim que Luiz Beltrão concebeu a sua teoria da Folkcomunicação pesquisando as romarias e os ex-votos e os diferentes sistemas de comunicação entre o romeiro e o seu santo de devoção.

Ex-votos










O pagamento de promessas através de ex-votos é uma prática universal cujas origens se perderam no tempo, sabe-se que 3000 anos A.C. os povos do Mediterrâneo já ofertavam objetos e animais às divindades como forma de agradecimento. Portanto, o ex-voto depositado em algum lugar considerado sagrado pelo devoto é uma forma prática de pagamento de uma graça alcançada, mas cada expressão, cada conteúdo transportado em cada uma de suas formas antropomorfas (representações do corpo humano ou de parte dele), zoomorfas (as representações de animais ou parte deles) e outras formas de representações (de pessoas ou coisas através de fitas, velas, vestuários, mechas de cabelo, peças utilitárias de uso doméstico, aparelhos ortopédicos, fotografias, cartas, publicações em jornais), são fontes de informação da cultura de um povo. Câmara Cascuda, em carta datada de 1965 e endereçada a Luiz Beltrão, diz: 

“Seu plano, Luiz Beltrão, de estudar o EX–VOTO é um soberbo programa de necessidade imediata. O “Ex-voto” é uma voz informadora da cultura coletiva, no tempo e no espaço, tão legítima e preciosa como uma parafernália arqueológica. Vale muito mais do que uma coleção de crânios, com suas respectivas e graves medições classificadoras. É um dos mais impressionantes e autênticos documentos da mentalidade popular, do Neolítico aos nossos dias. E sempre contemporâneos, verdadeiros e fiéis.” 


O ex-voto é muito mais do que um bem cultural material ou imaterial de significado de pagamento de promessa, também é necessário se considerar os seus valores antropológico, etnográfico, estético e como veículo Folkcomunicacional. São portadores de informações e de opiniões de parte das populações rurais e urbanas brasileiras. 
Chamo atenção, mais uma vez, para o artigo de Luiz Beltrão (1965) sobre o ex-voto como veículo jornalístico publicado há 46 anos, e continuamos a nos perguntar qual o significado do ex-voto. Que sentido tem, além do religioso, esse ex-voto depositado nos lugares de peregrinações e de romarias? Qual é a importância dos ex-votos como meios de comunicação popular – folkcomunicacionais, entre o pagador de promessa e o seu santo de devoção no contexto da sociedade midiatizada? Como decodificar, como interpretar os sentidos das mensagens neles expressas, nas performances dos protagonistas e dos seus coadjuvantes nas encenações ritualistas nos territórios sagrados e profanos das festas religiosas? Continua sendo um importante campo de investigação da Folkcomunicação e que não se esgota com a globalização cultural.
A sociedade midiatizada não consegue unificar as diferentes culturas porque são diversos os espaços e os tempos históricos, socioculturais e, neste caso, da religiosidade popular. Para provar tudo isso basta acompanhar e participar da Romaria de Nossa Senhora da Penha que acontece no último domingo de novembro saindo da Igreja de Nossa Senhora de Lurdes, no centro de João Pessoa, com destino ao Santuário da Penha, num percurso de 14 km.


domingo, 6 de novembro de 2011

Patos 108 e eu 64 anos, puxa vida!

num domingo de novembro

Realmente é uma vida puxada, porém feliz, chegar aos 64 anos ter nascido lá em Patos pouco antes da virada da metade do século passado, melhor dizendo em novembro de 1947. Vocês imaginam como era Patos nessa época? Uma cidade localizada no sertão da Paraíba castigada pelos constantes períodos de seca, com sistemas precários de esgotamento sanitário, de água corrente, de energia elétrica e comunicação com o mundo de fora. Mas, Patos já era uma cidade emergente no sertão nordestino como polo de produção de algodão e de gado. Tive muita sorte ter nascido na família Meira Trigueiro que não fazia parte dos mais pobres da cidade e, por isso mesmo, tive várias oportunidades na vida e aproveitei todas as possibilidades ofertadas pela minha família e pela minha cidade. O que infelizmente não aconteceu com alguns dos meus contemporâneos de escola, das peladas no campo do óleo que ficava próximo a usina do motor da luz, onde fica atualmente o Hotel JK, no campo da Cica, no campo da Rua Pedro Firmino, ou ainda dos companheiros que serviram o Tiro de Guerra comigo.


A vida é assim mesmo cada um percorre o seu caminho, temos que ir à luta uns com mais e outros menos chances. Mas, muitos desses contemporâneos tiveram a rara sorte, assim como eu, de testemunhar diferentes épocas, passar por diferentes experiências nos caminhos que nos levaram a continuar vivendo, superando as dificuldades e de chegar à segunda década do século XXI com mais de 60 anos. Tive rara sorte de viver experiências extraordinárias e testemunhar mudanças que até hoje são verdadeiras lições de aprendizado, coisas aparentemente simples que fizeram parte da minha vida, da minha condição humana. Foram épocas tão diferentes umas das outras que continuam marcadas na minha memória da infância e da maturidade de adulto. Quando nasci Patos já tinha o Colégio Diocesano, o Colégio Cristo Rei, o Grupo Escolar Rio Branco, Cine Eldorado, o Hospital Regional, a moderna Escola de Datilografia Remington, o Ditador da Moda, estava surgindo a Rádio Espinharas, consolidava-se o comércio da Rua Grande que atraía compradores de toda a região. Era uma pequena cidade, mas repleta de novidades, foi lá que conheci a caneta esferográfica, uma das maiores mudanças da minha época de escola primária, foi quando deixei de usar a caneta-tinteiro, fui testemunha da chegada da energia da hidroelétrica de Coremas e depois de Paulo Afonso, testemunhei a chegada do telefone no espaço doméstico, a fundação da Associação Universitária de Patos, a Casa do Estudante e do Fortelândia. Foi lá que andei a primeira vez de bicicleta e de lambreta, foi onde andei a primeira vez de carro e onde aprendi a dirigir e bem mais tarde testemunhei a chegada da televisão. 


Em Patos fui batizado e o meu padrinho foi o então prefeito Clovis Sátiro e o meu nome é uma homenagem ao então governador da Paraíba Osvaldo Trigueiro, udenistas assim como o meu pai, ou seja, o meu rito de passagem de pagão ao cristianismo foi um evento político na cidade. Foi em Patos que fiz a primeira comunhão, tive a minha primeira namorada e perdi a virgindade. Agora, um pouco distante da minha cidade natal e em plena maturidade passei a refletir melhor todas essas mudanças na minha vida. São experiências como a conquista do diploma de datilografia nos anos 60 do século passado e o diploma de doutor em ciências da comunicação em 2004 no século da globalização da comunicação. Nada disso foi uma tarefa fácil, mas cada conquista teve sua importância na história da minha vida sentimental e profissional representadas pelos períodos da caneta-tinteiro, caneta-esferográfica e atualmente da caneta-digital. 


Todas essas coisas, todos esses objetos tecnológicos, todos esses ritos de passagem fazem parte do meu universo simbólico. Só lembrando mais uma vez, tudo teve início na família Meira Trigueiro e lá na cidade onde nasci. Agora, com 64 anos, uma companheira “luso-brasileira” de mais de 30 anos, dois filhos e um neto, depois de plantar várias árvores na Granja Matuetê e escrever livros, pretendo refletir sobre todas as mudanças pelas quais estou passando, depois de testemunhar as grandes transformações das novas tecnologias da comunicação, as grandes mudanças socioculturais ao longo de todos esses anos. O que quero mais na vida é agradecer a Deus por tudo que consegui até agora. Viva a caneta-tinteiro, viva a caneta-esferográfica e viva a caneta-digital.