quinta-feira, 20 de setembro de 2018

José Marques de Melo: o andarilho híbrido cultural

Neste momento em que prestamos nossas homenagens ao mestre e amigo José Marques de Melo não podia deixar passar em branco a oportunidade para narrar um pouco do longo tempo de convivência com um dos mais importantes pensadores das ciências da comunicação na comunidade lusófona e latino-americana, um agregador de estudiosos e pesquisadores em instituições acadêmicas, em diferentes partes do Brasil e no exterior.  Foi um andarilho híbrido cultural que caminhou de Santana do Ipanema/AL até a China como O Guerreiro Midiático, como bem disse Sergio Mattos autor de sua biografia. Mas, falar da importância de José Marques de Melo na minha formação acadêmica dissociada da importância que Roberto Benjamim também teve é quase impossível, porque os dois foram os grandes incentivadores de tudo que faço como professor e pesquisador das ciências da comunicação e especialmente da Folkcomunicação. Ou seja, eles estão vinculados historicamente nessa minha caminhada que teve início nos anos 70 do século passado e que continua até os dias atuais. 

Não fui seu aluno de bancada universitária, mas ele sempre foi um incentivador, orientador de quase toda a minha trajetória acadêmica, principalmente nas pesquisas teóricas e empíricas e, nessas longas caminhadas, nem todas fáceis, alguns momentos marcaram a nossa convivência que quero destacar. 
Foi através de professor Roberto Benjamim que, em 1975, conheci José Marques de Melo, ainda no último ano do curso de Jornalismo na Universidade Católica de Pernambuco, quando já participava das atividades da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa da Comunicação/ABEPEC  e, a partir daí, mantivemos durante todo este tempo uma forte ligação que envolvia os nossos interesses pelo desenvolvimento das ciências da comunicação participando de vários projetos de pesquisas e eventos culturais, de publicações, e de tantas outras  atividades na Intercom  e na Rede Folkcom.

No período da minha graduação em jornalismo os seus livros eram referência e assim foi também na pós-graduação. Mas, o primeiro artigo que li de José Marques de Melo, o título me chamou muita atenção, e foi publicado na revista da ABEPEC – volume 1 – número 1 – 1º semestre de 1975:  O impasse estrutural e as soluções utópicas.  José Marques de Melo, na época Diretor da ECA – USP, comentava sobre a importância do livro de Alberto Dines O Papel do Jornal (Rio de Janeiro, Artenova, 1974). Uma análise dos estudos e suas repercussões sobre a crise da imprensa no Brasil e a modernização do Jornal do Brasil – JB. 


 Como sócio da ABEPEC a convite de José Marques de Melo supervisionei a pesquisa de campo, nos estados de Pernambuco e Paraíba, do projeto de Pesquisa Sobre a Televisão Brasileira.   José Marques de Melo era o consultor metodológico do projeto e Roberto Benjamim o coordenador na Região Nordeste. A pesquisa, realizada em 1978, com abrangência em todo o território nacional foi o primeiro grande inventário crítico sobre a televisão brasileira desenvolvido pela comunidade acadêmica.
Participei dos últimos congressos da ABEPEC e foi numa dessas ocasiões que José Marques de Melo desenhava para um grupo de professores a possibilidade da criação da Intercom e já convidava para participarmos na sua fundação. Assim, como outros professores, encampamos a sua ideia e seguimos em frente como sócio até hoje da Intercom.
Depois veio a ideia de criar o GT – Folkcomunicação na Intercom e, mais na frente, em 1998, participei da I Conferência Brasileira de Folkcomunicação e da fundação da Rede de Estudos e Pesquisas em Folkcomunicação - Rede Folkcom e em todos esses momentos sempre incentivado por José Marques de Melo e Roberto Benjamim.
Sem dúvida, com o apoio dos dois mestres José Marques e Roberto Benjamim, dei o ponta pé inicial, foi o meu batismo para iniciar as minhas   pesquisas no campo da comunicação e principalmente nos estudos sobre televisão.  E mais uma vez com o incentivo deles passei a fazer parte do GT - Ficção Televisiva Seriada da Intercom até migrar para GT – Folkcomunicação que estava sendo criado, por José Marques e Roberto Benjamim, como homenagem e reconhecimento a Luiz Beltrão por tudo que ele fez para consolidar a comunicação como uma ciência no Brasil.
Com José Marques de Melo destaco, também, a realização do Seminário sobre o Pensamento e a Presença de Luiz Beltrão na Paraíba, com apoio da Universidade Federal da Paraíba/UFPB/PRAC/COEX, em comemoração aos 30 anos do I Encontro de Folclore da Paraíba realizado na cidade de Pombal em 1976. No encontro em Pombal Luiz Beltrão participou como um dos conferencistas e fez uma exposição da sua teoria sobre O folclore como sistema de comunicação popular. 
O seminário para celebrar os 30 anos do encontro em Pombal foi mais uma ideia de José Marques de Melo e aconteceu em novembro de 2006 no auditório da Reitoria da UFPB, em João Pessoa, com a participação de importantes estudiosos e pesquisadores da ciência da comunicação, estudantes e representantes da comunidade de Pombal. Esse Seminário resultou na publicação do livro Luiz Beltrão: pioneiro da comunicação no Brasil, Editora da UFPB/INTERCOM, João Pessoa, 2007, organizado por nós dois.  
E para fechar esses grandes momentos José Marques de Melo participou da banca de doutorado que defendi no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos-UNISINOS em 2004, sendo aprovado com a tese: Quando a Televisão Vira Outra Coisa: as estratégias de apropriação das redes de comunicação cotidianas em São José de Espinharas –PB com importantes comentários de Marques de Melo.

Ele e Roberto Benjamim cobravam, insistentemente, a publicação da minha tese em livro, o que acabei por fazer depois de algum tempo com a satisfação de ter o prefácio de Marques de Melo no meu livro Folkcomunicação e Ativismo Midiático, publicado pela editora da Universidade Federal da Paraíba, em 2008, como resultado parcial da minha tese. E o título foi uma sugestão dele. 
Finalizando o prefácio José Marques de Melo diz:
Trata-se, portanto, de um livro atualíssimo, cuja problemática central continua a desafiar os corações e as mentes da nossa comunidade acadêmica. Aqui está refletida a maturidade intelectual alcançada pelo autor e a autonomia teórica que ele demonstra ao transitar confortavelmente por diferentes paisagens e ao dialogar altivamente com autores situados em distintas correntes de pensamento.
Folkcom Recife 2017 
O nosso último encontro foi no Folkcom em Recife (2017) quando José Marques lembrava que em 2018 se celebraria o centenário de Luiz Beltrão e já convidava para uma série de atividades que seriam realizadas pela Intercom e Rede Folkcom. De pronto aceitei fazer parte das homenagens ao criador da Teoria da Folkcomunicação e um dos pioneiros do pensamento das ciências da comunicação no Brasil.
Rememorando vivências com JMM
Agora, em setembro de 2018, durante o 41º Congresso da Intercom realizado em Joinville/SC, o GP – Folkcomunicação prestou uma homenagem ao seu fundador e presidente de honra José Marques de Melo com uma mesa sobre a sua importância na fundação da Rede de Estudos e Pesquisas em Folkcomunicação-Rede Folkcom. Mais uma vez participei dessas homenagens com os demais colegas do GP e com a honrosa presença de Silvia, a sua companheira de toda vida.
Mas, não acabava aí. Para minha surpresa os companheiros do GP-Folkcomunicação elegeram-me como presidente de honra da Rede Folkcom.  Não será uma tarefa fácil substituir fisicamente José Marques de Melo até porque o legado deixado por ele nem o tempo apagará e será sempre lembrado por várias gerações. 

Mas estarei de prontidão lutando para que a Folkcomunicação seja reconhecida como merece ser por toda a comunidade acadêmica brasileira, até porque esse era um desejo de José Marques de Melo, não só o reconhecimento da Teoria da Folkcomunicação, mas da obra completa de Luiz Beltrão.       
Frequentei várias escolas públicas e privadas tive bons professores em todos os níveis da minha formação educacional, mas não poderia deixar de dizer, neste momento, da importância que José Marques de Melo e Roberto Benjamim foram e continuarão sendo referências na minha vida profissional e pessoal. Foi um longo período de aprendizado que tive com esses dois grandes pensadores das ciências da comunicação.
Obrigado amigos estejam onde estiverem!!!

sábado, 1 de setembro de 2018

O Dr. Castanha e o maior Cajueiro do Mundo



Mais uma vez fui a Pirangi e desta vez para participar do II Encontro da Família Trigueiro “Somos Trigueiro 2018” e como não poderia deixar de ser fiz uma visita ao Dr. Castanha, comprei alguns dos seus produtos e ganhei de presente a propaganda do meu blog FolkMídia (veja o vídeo). 
Inaldo Lucas de Faria, é o Microempreendedor Individual (MEI) que faz sucesso num dos destinos turísticos de grande frequência na área metropolitana de Natal, a capital do Rio Grande do Norte, Brasil.
Dr. Castanha é o personagem criado por Inaldo Lucas para chamar a atenção dos que visitam o complexo turístico do Cajueiro Gigante situado na Praia de Pirangi no Litoral do Rio Grande do Norte. Para diferenciar dos demais vendedores no centro comercial Dr. Castanha veste-se a caráter imitando o jaleco de médico e com o bom humor caraterístico de palhaço de circo chama a atenção com sua irreverência e simpatia na venda dos diversos tipos de castanhas de caju, bastante apreciadas em toda a região.
Dr. Castanha é um ativista midiático que opera nas redes de folkcomunicação empregando estratégias de folkmarketing e performance na organização da venda dos produtos de sua micro empresa individual – MEI com o objetivo de alcançar melhores metas e consequentemente mais lucro.
O Dr. Castanha, ou Inaldo Lucas, é um brincante que se apropria das matrizes culturais das manifestações tradicionais do nosso folclore e como gestor de uma empresa individual apodera-se das modalidades folkcomunicacionais para ocupar um espaço especial como vendedor de produtos regionais, as castanhas, no entorno do complexo turístico do “Maior Cajueiro do Mundo”, que Lucas identifica como o maior ser frutífero do planeta. 
Como consumidor de castanhas que sou, todas as vezes que passo em Pirangi, dou a preferência aos produtos do Dr. Castanha não só pela qualidade e melhores preços, mas também para aproveitar mais um pouco das estratégias de vendas do empreendedor Inaldo Lucas que é sem dúvida um grande vendedor e que fideliza os seus clientes.








Parte da família do ramo Dantas Trigueiro

quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Festival Sul-Americano de Folclore em Campo Grande

O dia 22 de agosto é internacionalmente o dia do folclore e como não poderia deixar de ser há festividades em todo o território brasileiro para marcar esta importante data, com muitas manifestações das nossas culturas populares que se espalham por todas as regiões do país com as suas diversidades simbólicas religiosas e profanas.

No dia 22 de agosto de 1846 o arqueólogo inglês William John Thomas emprega pela primeira vez a palavra folk-lore num artigo publicado no jornal Ateneu de Londres com o objetivo de designar coisas antigas das manifestações culturais populares. Ou seja: as antiquitates vulgares, portando esse é o grande motivo que determinou agosto como o mês do folclore e que há muito tempo está incorporado ao nosso calendário cultural. Mas na atualidade o folclore é um campo muito mais amplo de manifestações culturais e que se atualizam nos diferentes espaços e tempos da história da sociedade humana. 

Neste dia há uma correria de professores e estudantes às bibliotecas, aos museus, para entrevistar folcloristas, os mestres dos saberes populares e nos últimos anos nas redes sociais em busca de informações para suas tarefas escolares. Tudo isso é muito importante, até mesmo porque o interesse pelo folclore e pela cultura popular vem aumentado nos diferentes níveis escolares, mas quase sempre são apenas intensificados no mês de agosto e mais especificamente no dia 22 em que se celebra o dia do folclore. 

Portanto, não poderia deixar passar em branco esta data sem prestar as minhas homenagens à Marlei Sigrist uma guerreira folclorista brasileira que durante décadas dedica a sua vida na divulgação do folclore brasileiro e especialmente sul-mato-grossense nas escolas de ensino fundamental, nas universidades em Campo Grande e em tantas outras localidades do seu Estado. Estou falando de uma paulista que há muitos anos migrou do interior de São Paulo com mala e cuia para enfincar os pés nas terras da cidade “Morena”. 
Foi um grande prazer participar do 2º Festival Sul-Americano de Folclore promovido pela Comissão Sul mato-grossense de Folclore – CSMFL, com o apoio da Comissão Nacional de Folclore – CNF e de outras instituições locais, realizado na cidade de Campo Grande no período de 3 a 6 de agosto de 2018. O festival já na sua segunda edição entra no calendário das Comissões Estaduais e da Comissão Nacional de Folclore como um dos mais importantes eventos culturais do Brasil. 

A continuidade do Festival Sul-Americano de Folclore justifica-se pela importância como uma ação contemporânea em que os grupos artísticos locais, regionais, nacionais e internacionais demonstram suas especificidades culturais contribuindo para a memória social e para a construção da cultura sul-mato-grossense. O festival proporciona observações de estudiosos e pesquisadores das manifestações tradicionais não só do seu povo como também das diferentes regiões do Brasil e de países sul-americanos que com suas experiências contribuem para o desenvolvimento de um estado de culturas hibridas. 
Mato Grosso do Sul é privilegiado geograficamente e socioculturalmente por ser uma das mais novas unidades federativas do país, a sua composição étnica é constituída de um intenso processo migratório de povos de outros estados, principalmente nos anos de 1990, que lá chegando encontraram os mato-grossenses e os ameríndios. Está localizado na Região Centro Oeste fazendo limites com os estados de Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, Paraná, São Paulo e fronteira com o Paraguai e a Bolívia. Não podemos esquecer a forte influência portuguesa, espanhola, libanesa, síria e japonesa na cultura dessa gente. 

O Estado do Mato Grosso do Sul é uma representação simbólica de uma importante amostra cultural do Brasil e que merece ser melhor conhecido por nós brasileiros e o Festival Sul-Americano de Folclore é uma importante ocasião para conhecer grande parte dessas manifestações culturais do centro-oeste brasileiro e de outros países sul-americanos.

O Festival Sul-Americano de Folclore 2018 foi realizado em três partes interligadas. A primeira as apresentações dos grupos folclóricos do Brasil, Paraguai e Bolívia em diversas localidades de Campo Grande com destaque para as apresentações no palco da Praça do Rádio, um lugar de grandes acontecimentos culturais na cidade. A segunda parte foi destinada aos cursos para professores do ensino fundamental sobre o folclore na educação, exposições, oficinas e um café social de integração dos grupos participantes do evento.
foto da coordenação do encontroA terceira e última parte foi a realização de um seminário de estudos do folclore na educação patrimonial com a participação de importantes estudiosos, pesquisadores e representantes de diversas comissões estaduais e da Comissão Nacional de Folclore.
Os meus comprimentos a Marlei Sigrist, presidente da Comissão Sul-mato-grossense de Folclore, a todos os demais membros da coordenação do festival e ao Grupo Camalote de Danças Folclóricas pela realização do importante evento cultural. 


Até o próximo festival.








quarta-feira, 18 de julho de 2018

O Sesquicentenário de Rodrigues de Carvalho

(Jurista, poeta, historiador, folclorista e membro da Academia Paraibana de Letras)


Foto: Carlos Meira
O Centro de Estudos Jurídicos e Sociais – CEJUS, que tem como seu presidente Dr. José Fernandes de Andrade, promoveu uma série de eventos no ano de 2017 em comemoração ao centenário de nascimento de José Rodrigues de Carvalho, intelectual paraibano de Alagoinha e, agora em 2018, fechando esse ciclo de eventos o CEJUS publicou uma edição especial fac-similar do Cancioneiro do Norte da qual tive a honra de fazer o prefácio e participar do seu lançamento que aconteceu no dia 8 de junho no auditório do CEJUS.

Aqui transcrevo um pouco do que disse sobre a grande obra do imortal da Academia Paraibana de Letras, Rodrigues de Carvalho.  O livro publicado pela política editorial da CEJUS está à disposição de todos os interessados na sede do Centro de Estudos Jurídicos e Sociais que fica localizado na Av. Rio Grande do Sul, nº 1411 Edifício Rio Tauhá, no Bairro dos Estados em João Pessoa – Paraíba/Brasil.


Prefácio
Cancioneiro do Norte
5ª Edição Fac-similar – 2018


Lançamento 5ª Ed fac-similar do Cancioneiro do Norte
Quando recebi o convite do Dr. José Fernandes de Andrade, Presidente do Centro de Estudos Jurídicos e Sociais – CEJUS, para fazer o prefácio da quinta edição fac-similar do Cancioneiro do Norte, fiquei com muitas dúvidas para aceitar essa nova empreitada de tamanha responsabilidade. Tentei fugir do compromisso, mas foi impossível recursar o convite do Dr. José Fernandes de Andrade. Depois de uma longa conversa na sua sala no CEJUS fui convencido pela sua demonstração de carinho e da paixão pela obra do conterrâneo de Alagoinha. Comentar uma obra de Rodrigues de Carvalho não é uma tarefa fácil porque ele atuou em várias frentes importantes da produção intelectual: no jurídico, na literatura, no magistério, no folclore, na história, no jornalismo, na política e em tantas outras atividades.

O livro tem prefácios que praticamente esgotam quase tudo que se deseja dizer sobre esta obra, do próprio autor na edição de 1928, do antropólogo e folclorista Diégues Júnior na edição de 1967 e do professor Iveraldo Lucena na edição de 1995. Fazer mais um prefácio seria dispensável da minha parte. Portanto, fiz a opção por discorrer algumas considerações introdutórias sobre a importância do Cancioneiro do Norte para os estudos e as pesquisas da cultura popular e do folclore na atualidade, até porque o livro é uma obra “imorredoura” como bem definhou o intelectual de Alagoinha.
        
Rodrigues de Carvalho deixou como legado uma vasta obra de diferentes gêneros, de significativa importância para a cultura brasileira, mas no campo do folclore se destacou com a publicação do Cancioneiro do Norte, uma obra pioneira, um marco da sua trajetória intelectual. No prefácio da segunda edição publicada na Paraíba em 1928, portanto 25 anos depois da primeira edição publicada em 1903 em Fortaleza, o autor chama atenção para o pioneirismo dos seus estudos e as pesquisas do folclore quando ainda era um tema de pouca importância no meio intelectual, quando diz: a cantiga popular era motivo de chufa, foi dos primeiros livros no gênero. Hoje temos uma prefeita noção do que seja o folclore e a sua importância histórica.

Na virada do século XIX para o século XX, com 37 anos, Rodrigues de Carvalho ao publicar a primeira edição do Cancioneiro do Norte desperta interesses entre os intelectuais brasileiros, quando ainda se ensaiavam os primeiros passos nos estudos e nas pesquisas para a construção simbólica de uma identidade nacional e uma das fontes eram as manifestações folclóricas. Mas, foi ao publicar a segunda edição acrescentada com fatos novos do folclore que ele entra definitivamente no ciclo dos importantes intelectuais brasileiros como: Nina Rodrigues (1862-1906), Silvio Romero (1851-1914), Gustavo Barroso (1888-1959), Mario de Andrade (1893-1945), Afrânio Peixoto (1876-1947), Gilberto Freyre (1900-1987), Melo Morais (1844-1919), Leonardo Mota (1891-19480), Câmara Cascudo (1898-1986), Ademar Vidal (1900-1986) e tantos outros. O Cancioneiro do Norte passa a ser reconhecido como uma obra referência por Luiz da Câmara Cascudo que a inclui na Antologia do Folclore Brasileiro: Séculos XIX-XX, os estudiosos do Brasil, bibliografia e notas e Florival Seraine na Antologia do Folclore Cearense.
 
Não podemos esquecer que no momento da publicação do Cancioneiro do Norte, o Brasil passava por grandes mudanças políticas, sociais e econômicas, que refletiam significativamente na produção cultural do país, inclusive nas tradições populares e no folclore. Nos primeiros anos do século XX a etnografia, a linguística e a antropologia ganhavam espaço e tempo como campos de estudo e de pesquisa, consequentemente se inicia uma sistematização científica na documentação das tradições populares e do folclore, até então considerado um campo de estudo desprovido de maiores critérios metodológicos.

Participou do 1º Congresso Afro-Brasileiro - 1º CAB, realizado no Recife em novembro de 1934 como Presidente da Comissão de Folclore, coordenou a sessão de debates sobre o Folclore/Arte; no artigo sobre “Aspecto da Influência Africana na Formação Social do Brasil” publicado no segundo volume dos anais do 1º CAB, Rodrigues de Carvalho cita uma das várias versões da lendária cantoria entre Romano de Mãe d’Agua e Inácio da Catingueira, realizada na cidade de Patos em 1870 e publicada no Cancioneiro do Norte na primeira edição de 1903. Mais uma vez aparece o pioneirismo do autor que inovou levando para o debate no 1º CAB os desafios, as cantorias cujas temáticas eram quase desconhecidas entre os estudiosos da época.
O congresso presidido pelo sociólogo Gilberto Freyre reuniu estudiosos de diferentes regiões, provocando polêmicas na jovem academia, na imprensa e divergências ideológicas nos diferentes segmentos da intelectualidade brasileira. Os debates, as conferências e as sessões temáticas no congresso sobre as questões da negritude, da mestiçagem e do sincretismo despertaram novos olhares sobre as tradições populares e do folclore, que passaram a ser estudados com maior rigor científico. E como já dito anteriormente, não mais visto como motivo chufa, mas como uma perfeita noção do que seja o folclore e a sua importância histórica para a construção simbólica de uma identidade brasileira com bases teóricas lideradas por Gilberto Freyre.

Manuel Diégues Júnior, no prefácio da edição comemorativa do centenário de nascimento do autor do Cancioneiro do Norte, publicada em 1967, ressalta a importância de Rodrigues de Carvalho e de suas obras ao afirmar:

Conheci pessoalmente Rodrigues de Carvalho em novembro de 1934, por ocasião do Congresso Afro-Brasileiro, do Recife; participamos, ele como Presidente, eu como Secretário da Comissão de Folclore naquele Congresso que a iniciativa de Gilberto Freire fizera reunir, com a colaboração de especialistas os mais variados: médicos e bacharéis, professores e estudantes, folcloristas e babalorixás. Já o conhecia então de nome; e de livro.    

A preocupação do autor em desenhar uma cartografia das manifestações folclóricas, foi uma demonstração do seu pioneirismo com uma visão futurista sobre a diversidade das manifestações culturais tradicionais e do folclore como: a religiosidade, as festas, as danças, os folguedos, as canções, as poesias e tantas outras expressões do povo. No percurso desenvolvido sobre a manifestação folclórica do Bumba-Meu-Boi em diferentes regiões do país, Rodrigues de Carvalho, pontua cada singularidade dessa manifestação na sua localidade, na cidade ou na roça, assim como observou o espetáculo do Bumba-meu-boi: Pelas cidades o boi perde a sua graça primitiva; na roça, porém, a coisa toma proporções de acontecimento notável. Nesta observação do Bumba-Meu-Boi é como se o autor previsse o possível desenvolvimento deste folguedo em transição do rural para o urbano. Ou seja, saindo da periferia para o grande centro como um espetáculo híbrido, como acontecimento de grande repercussão cultural.  
    
No Cancioneiro do Norte o autor chama atenção para os estudos das narrativas populares, escritas ou orais, que se cruzam nos versos e nas palavras de origens portuguesa, africana e indígena e que as definiu como narrativas de espécime de hibridismo. Rodrigues de Carvalho registra vários exemplos de narrativas populares (contos, cantos, lendas, fábulas, etc.), onde há o hibridismo dos três elementos já entremeados de tantas outras influências, o que torna sem maiores significações estudar isoladamente as suas origens. As observações, até fora do seu tempo, com relação ao que seria o universo simbólico de construção da identidade nacional, com uma visão mais ampla sobre a influência das diversidades culturais brasileiras, de certa forma, divergiam dos paradigmas predominantes na época.

Mais uma vez recorro ao magnifico prefácio de Diégues Júnior ao afirmar que: 

O hibridismo etnológico, referido por Rodrigues de Carvalho, traduz-se justamente nesta mistura em que, embora se possa indicar a fonte originária, não se pode estabelecer a sua exclusividade. É com absoluta razão, antecipando-se aos modernos estudos de regionalização cultural do Brasil, que o velho folclorista de 1903 procurava caracterizar as produções folclóricas por zona, e não por etnia; o que ele via na zona, aliás numa antecipação a modernos estudos, era justamente o elemento cultural em contato, produzindo pela fusão ou absorção dos elementos originais novos elementos, marcados pela feição do ambiente. 

Portanto, não só foi um dos pioneiros dos estudos do folclore como antecipou, nas primeiras décadas do século XX, teorias atuais dos estudos latino-americanos, quando emprega o termo hibridismo, e não exclusivamente os termos de sincretismo ou mestiçagem para definir os amplos processos de intercâmbios das diversidades culturais tradicionais. O primeiro termo por se referir quase sempre às questões raciais e o segundo quase sempre às questões religiosas.

Rodrigues de Carvalho faz o seguinte questionamento: Como afirmar se o canto A de origem europeia, a canção B indiana, a chula C africana, se o meio em que se recolhem tais produções é o resultado de um manifesto hibridismo etnológico?

Para justificar o uso do termo “hibridismo etnológico”, o autor ressalta a importância dos estudos comparativos dos valores culturais que constituem as tradições populares brasileiras, que atravessaram centenas de civilizações ao longo dos anos, de geração em geração e foram adaptando-se aos nossos costumes, onde a tradição se transfunde ao longo do tempo.  

Faço aqui um outro questionamento: talvez Rodrigues de Carvalho tenha empregado o termo hibridismo, já no início do século XX, antevendo os processos de dinamizações das culturas tradicionais e das culturas contemporâneas tão debatidas, tão polemizadas nos estudos e nas pesquisas atuais entre culturas midiáticas e culturas populares. Evidentemente levando em consideração a época que foi publicada a primeira e a segunda edição aumentada do Cancioneiro do Norte.

Rodrigues de Carvalho teve a preocupação de registrar os problemas das secas, do ciclo do cangaço e de outras temáticas socioculturais que eram motes nas cantorias, nos versos dos poetas populares e nos enredos dos folguedos para demonstrar que não existia uma tradição cultural, mas uma diversidade de manifestações tradicionais que se espalham nas diferentes regiões do território brasileiro e que continuam atualizando-se. Como ele mesmo diz no final do seu prefácio: Este livro não representa uma ambição literária, nem aspira à glória de obra limpa; ele significa um esforço por bem da intelectualidade anônima dos filhos do Norte.

Ao reeditar Cancioneiro do Norte depois da publicação em 1995 pelo Conselho Estadual de Cultura, o CEJUS, não só presta uma justa homenagem ao seu autor como também possibilita que novas gerações possam conhecer o trabalho pioneiro dos estudos e das pesquisas desenvolvidas por Rodrigues de Carvalho na virada do século XIX para o século XX.

É importante dizer que a edição fac-similar do Cancioneiro do Norte, que agora em 2018 é publicada pelo CEJUS, continua atual como referência bibliográfica, para quem deseja conhecer os primeiros registros do nosso folclore e realizar estudos comparativos sobre os hibridismos etnológicos na atualidade. 

terça-feira, 12 de junho de 2018

Santo Antônio: tenente-coronel celestial e casamenteiro

Foto do autor
Esses são só alguns dos atributos de Fernando Martim de Bulhões, o nome de batismo de Santo Antônio, um dos santos mais populares dos festejos juninos, aqui no Brasil e em Portugal. Talvez um dos mais celebrados do panteão cristão em quase todas as partes do mundo. Nasceu em Lisboa provavelmente no ano de 1190 e faleceu com cerca de 40 anos no dia 13 de junho de 1231.

A sua morte provocou grande comoção popular e o Papa Gregório IX o canonizou em 1232, menos de um ano do seu falecimento, porque a igreja tinha pressa em satisfazer os desejos dos devotos do santo polivalente. E a Igreja determina que 13 de junho, data da sua morte, passaria a ser celebrada no calendário litúrgico com festas religiosas e profanas em homenagem ao santo padroeiro dos casais apaixonados e das causas perdidas. 

O papa Leão XIII assim definiu Santo Antônio como o “Santo de todo mundo”, por reconhecer a sua popularidade na grande devoção e piedade popular espalhada por várias partes do mundo cristão. 
  
Considerado um dos doutores da igreja, profundo conhecedor da teologia e reconhecido por Roma como um grande orador que impressionava multidões com os seus sermões. Da ordem dos frades Franciscanos Menores, percorreu países onde destacou-se com os seus trabalhos missionários em Portugal, Itália e principalmente no sul da França, liderando importantes embates religiosos e ideológicos na tentativa da conversão ao cristianismo dos praticantes das heresias dos Cátaros. Foi um peregrino que percorreu diferentes localidades da Europa, da África pregando a palavra de Deus com o objetivo de converter povos pagãos ao cristianismo. Frei Fernando de Bulhões, tinha grande capacidade de mobilização das pessoas par ouvirem a sua palavra e juntava multidões por onde passava. Depois de sua morte a fama de santo milagreiro só cresceu ainda mais mundo a fora.   
Foto de acervo do autor
Nas viagens marítimas nos séculos XVI, XVII e XVIII dos grandes descobrimentos espanhóis e portugueses a devoção a Santo Antônio chegava às novas terras. A partir do século XIX a distribuição de pães no dia de Santo Antônio passou a ser uma prática da piedade popular em diversas partes do mundo inclusive aqui no Brasil como ação social aos mais pobres. 

O Frei Antônio de Lisboa e Pádua, tinha o dom da oratória e usava como estratégia de comunicação nas suas pregações a animação cultural, a conciliação das famílias, a paz e o amor. Esse foi um dos motivos que levou o santo a ser invocado para resolver problemas terrenos como causas perdidas, proteção dos militares nas frentes de batalhas, como advogado dos bons casamentos, contra os malefícios dos inimigos e tantas outras invocações. 

Era um frade alegre, brincalhão, humilde, prestativo, sempre estava à disposição do seu povo e era uma espécie de topa tudo no atendimento aos fiéis, mesmo sendo um profundo conhecedor da teologia. Conhecia muito bem a sabedoria popular e com isso nas suas pregações rompia o tom melancólico predominante na Igreja. 

Foto de acervo do autor
Em Portugal é considerado o santo dos lisboetas e como aqui no Brasil também é considerado um santo casamenteiro, festejado pelos namorados e noivos que sobem os altares paras as cerimônias de casamentos.  Em Lisboa, os 12 e 13 de junho são dias de grandes festas populares nos bairros da capital lusitana e as Marchas de Santo António desfilam em sua homenagem, por toda a Avenida da Liberdade, no centro da cidade. É sem dúvida uma das maiores festas populares de Lisboa.

Santo Antônio, protetor das moças e rapazes, das viúvas e dos viúvos desejosos de encontrar um amor perfeito para casar, também foi político e militar de alta patente. No Brasil, Santo Antônio já chegou a ser vereador perpétuo na cidade histórica de Igarassu, localizada na área metropolitana do Recife, capital do Estado de Pernambuco, com direito a receber os seus vencimentos do poder legislativo municipal, o equivalente a um salário mínimo mensal, cuja ordem de pagamento só foi suspensa em 2008 por interveniência do Ministério Público do Estado de Pernambuco. Mas não é só isso, ele foi muito mais. 

Transparências nas vitrines de Sto Antonio
Amadeu Amaral no seu livro Tradições Populares, 1976, registra a importância de Santo Antônio como um militar de alta patente em vários batalhões brasileiros devido à sua intermediação como santo protetor dos bravos soldados nos campos de batalhas.
Santo Antônio – o santo dos grandes milagres – foi tenente da Fortaleza de Santo Antônio dos Coqueiros, patente concedida pelo Conselho Ultramarino em 1717. Em 1710 entra para milícia do Rio de Janeiro com a patente de capitão. Dom João VI o promoveu a tenente-coronel no ano de 1814 e, posteriormente, com membro da Ordem de Cristo.

O santo taumaturgo português no catolicismo popular desde a Idade Média é ligado a centenas de crenças, superstições, feitiçarias e cerimônias que são realizadas na véspera do seu dia com a finalidade de alcançar algum pedido que possa desenrascar os problemas dos milhares de devotos.

Viva Santo Antônio

Fotos do arquivo pessoal do autor.

terça-feira, 5 de junho de 2018

Lançamento da nova edição de "Cancioneiro do Norte"

O CEJUS - Centro de Estudos Jurídicos e Sociais, em João Pessoa/PB lança a 5ª edição (Fac-simile) do "Cancioneiro do Norte", com prefácio de minha autoria.
A programação de lançamento terá início às 17 horas desta sexta-feira (8/6), no CEJUS, localizado na Av. Rio Grande do Sul, 1411, Ed. Rio Tauhá - Bairro dos Estados, João Pessoa-PB.

Observe os detalhes da programação:




quarta-feira, 21 de março de 2018

A Rede Folkcom e o Centenário de Luiz Beltrão


A comunidade acadêmica das Ciências da Comunicação celebra em 2018 o centenário de nascimento de Luiz Beltrão, jornalista, professor e pioneiro nas pesquisas em Comunicação Social no Brasil. Beltrão nasceu na histórica cidade de Olinda no Estado de Pernambuco no dia 8 de agosto de 1918, mas não vou descrever aqui o vasto perfil do fundador da teoria da folkcomunicação porque dispensa apresentação.

Luiz Beltrão será homenageado numa das mesas temáticas na XIX Conferência Brasileira de Folkcomunicação – Folkcom 2018, que será realizada em Parintins-AM nos dias 25, 26 e 27 de junho no período do festival folclórico, da grande festa dos bois Garantido e Caprichoso, em plena floresta Amazônica. O Folkcom 2018, tem como objetivo reunir professores, pesquisadores, estudantes e o público interessado nos diferentes processos de transformações e de atualizações da comunicação nas culturas populares. Durante o evento científico em Parintins, serão realizadas diferentes mesas temáticas e oficinas que possibilitarão aos participantes refletir sobre o desenvolvimento dos estudos e das pesquisas no campo da folkcomunicação no contexto sociocultural brasileiro e latino-americano. Eu, como não poderia deixa de ser, estarei presente nos principais eventos científicos que celebram o centenário do mestre Beltrão: junho em Parintins no Folkcom, julho em Juazeiro da Bahia no INTERCOM/Nordeste e setembro em Joinville no Estado de Santa Catarina no 41º Congresso Brasileiro de Comunicação/INTERCOM.
  
Como conheci Luiz Beltrão  

Aproveitando as homenagens a Luiz Beltrão, não posso deixar passar em branco este momento para contar do pouco, mas importante tempo de convivência pessoal, recebendo alguns aconselhamentos para os avanços teóricos e práticos nos estudos e pesquisas da folkcomunicação, além da aproximação com a sua vasta referência bibliográfica.  
Foi através do professor Roberto Benjamim, em 1974, quando era seu aluno na graduação de jornalismo na Universidade Católica de Pernambuco e assistente nas pesquisas em comunicação e cultura popular, que conheci Luiz Beltrão. Até aí não conhecia a folkcomunicação, mas já tinha feito uma breve incursão no campo da comunicação e do folclore depois de ter lido os textos publicados na revista Comunicação & Problemas. O primeiro, de Luiz Beltrão “O Ex-Voto Como Veículo Jornalístico” que é sem dúvida um dos textos fundadores da teoria da folkcomunicação e o segundo, de Luís da Câmara Cascudo “Carta Sobre o Ex-voto”. O artigo de Cascudo foi um endosso importante para que Luiz Beltrão aprofundasse as bases da folkcomunicação, demostrando seu interesse e entusiasmo com as ideias de Beltrão sobre a comunicação e a cultura popular, enxergando uma nova frente de estudos e de pesquisas no campo da comunicação, aqui no Brasil. E quem se interessa pela folkcomunicação sabe perfeitamente que esses artigos foram fundamentais para o desenvolvimento da teoria fundada por Luiz Beltrão. Os textos recomendados por Roberto Benjamim abriram novos horizontes e não tive dúvida que algo de novo emergia no campo da pesquisa em comunicação e na cultura popular.  

Os estudos e as pesquisas que estávamos desenvolvendo na segunda metade dos anos de 1970 e início dos anos de 1980 tinham como objetivo compreender o impacto da cultura de massa na cultura popular e no folclore e, principalmente, nos conteúdos da televisão que chegavam aos mais longínquos recantos do Nordeste brasileiro. Havia uma grande preocupação, nos meios acadêmicos e nos meios dos folcloristas, com o provável desaparecimento das culturas tradicionais e do folclore provocado pelas invasões dos novos consumos e novos costumes veiculados pela televisão e principalmente pelas novelas.
  
A cultura de massa e a indústria cultural eram sinônimos de culturas alienantes e devastadoras das culturas regionais e locais e, como não poderia deixar de ser, eu também fazia parte do time que acreditava que com os avanços da cultura de massa e da indústria cultural, seria o fim das nossas culturas tradicionais e do folclore o que provocaria o seu “extermínio”. Mas, com os ensinamentos e os aprendizados de Roberto Benjamim e com os contatos com Luiz Beltrão passei a ver que nem tudo estava perdido.

Foi nesses encontros que tomei outros rumos, outras observações para compreender que as tradições culturais populares e o folclore, nos diferentes períodos da história, passaram e continuam passando por importantes ressignificações operadas pelos seus agentes (inter)mediadores, capazes de modificarem os conteúdos da cultura de massa e que as culturas regionais e locais não eram apenas sobreviventes a tudo isso, até porque há uma diversidade de manifestações tradicionais vinculadas a religiões, a festas, aos trabalhos e à economia local. Portando, foi estudando e pesquisando a folkcomunicação que comecei a enxergar que não existia uma única tradição, mas diferentes manifestações culturais tradicionais, passadas de geração a geração e com suas diversidades de expressões passei a compreender, a interpretar as ressignificações das culturas populares e do folclore e os processos de atualizações no contexto da cultura de massa.

Com a orientação de professor Roberto Benjamim, caímos em campo percorrendo cidades, vilarejos e áreas rurais dos estados de Pernambuco e Paraíba, os dois territórios das nossas pesquisas e aqui e ali uma invasão em territórios do Rio Grande do Norte.

Nesse período desenvolvíamos duas frentes de observações e de recolhimento de dados de bens culturais materiais e imateriais. Uma frente sobre as festas religiosas e profanas com foco nas festas do Ciclo de Nossa Senhora do Rosário e nas festas do Ciclo do Carnaval, a outra frente nos locais de peregrinações populares e suas respectivas casas de milagres onde são deixados os ex-votos. Foi uma experiência magnifica para um jovem iniciante. Posteriormente, esse material deu origem a uma série de publicações, inclusive a minha dissertação de mestrado e a tese de doutorado[1].

Não foram tempos fáceis para levantar alguns questionamentos contrários às tendências teóricas predominantes no meio acadêmico. Melhor dizendo, as culturas tradicionais não desapareceriam com a invasão da cultura de massa e com a indústria cultural, até porque os agentes populares não eram consumidores passivos dos bens culturais veiculados, principalmente, pela televisão como apregoava o núcleo duro dos seguidores da teoria da Escola Frankfurt. Nós, seguidores da folkcomunicação, ficamos entre a cruz e a espada, de um lado o patrulhamento ideológico dos frankfurtianos que nos rotulava de funcionalistas e de outro pelos folcloristas conservadores que não aceitavam os processos de atualização das manifestações culturais tradicionais em tempo de grandes mudanças sociais e tecnológicas.

Foi um período de recuos, de avanços, mas também de novas conquistas no campo de estudo e pesquisa da folkcomunicação[2]. Não era fácil romper os paradigmas reinantes nos anos de 1980, quando defendi a minha dissertação de mestrado e não concordava com a recepção passiva da audiência aos conteúdos da comunicação de massa. Defendi a minha dissertação sem ter acesso a obras de pesquisadores como Jésus Martín-Barbero, Guillerme Orozco, Jorge Gonzáles, Néstor Garcia Canclini, entre outros. Mas comungava com o pensamento de Luiz Beltrão, que já naquela época percebia e chamava atenção para a existência de uma ampla rede de comunicação cotidiana, pela qual os grupos populares operam as suas interações (inter)mediadas, quase sempre por negociações do sistema de folkcomunicação. No meu doutorado, com a orientação do professor Antônio Fausto Neto, a “coisa” já era muito diferente e os caminhos foram abertos para o desenvolvimento da pesquisa teórica e empírica com base nos autores que citei e na folkcomunicação. Os tempos eram outros e não mais existia o patrulhamento dos que acreditavam na passividade dos constituintes das audiências na recepção, principalmente dos programas televisivos.
 
O legado de Luiz Beltrão na Paraíba

Em 1976, já como professor da Universidade Federal da Paraíba/UFPB encaminhei à Pró-reitora para Assuntos Comunitários/PRAC e à Coordenação de Extensão/COEX um projeto para promover o I Encontro de Folclore da Paraíba, que foi aceito imediatamente e o evento se realizou com grande repercussão e muitos desafios para época em que vivíamos. Durante o encontro reunimos importantes estudiosos e pesquisadores da comunicação e da cultura popular e, atendendo ao nosso convite, Luiz Beltrão foi um dos conferencistas.

O I Encontro de Folclore da Paraíba, aconteceu em outubro de 1976 na cidade de Pombal durante o período da Festa de Nossa Senhora do Rosário que é tradicionalmente celebrada no primeiro domingo do mês.

Pombal está localizada no semiárido paraibano cerca de 380 quilômetros de João Pessoa e, com os nossos convidados, viajamos de carro por mais de cinco horas eu, Roberto Benjamim, Bráulio Nascimento (a época diretor da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro), Altimar Pimentel (professor da UFPB), e Luiz Beltrão. Foi uma viagem inesquecível do litoral ao sertão trocando informações sobre comunicação e folclore. Nos dias que ficamos na cidade de Pombal, realizamos vários encontros paralelos à programação oficial do evento, inclusive com coparticipação do então Pró-reitor da PRAC professor Iveraldo Lucena, e nesses encontros surgiram as primeiras ideias para a criação do curso de comunicação social e de um setor para pesquisar e documentar a cultura popular e o folclore na Paraíba. 


A conferência de Luiz Beltrão sobre O Folclore como sistema de comunicação popular[3] foi sem dúvida a grande novidade do encontro de folclore e estimulou ainda mais o propósito da criação do Curso de Comunicação Social. Pouco tempo depois do encontro em Pombal, reencontrei Luiz Beltrão no II Encontro Cultural de Laranjeiras, realizado em janeiro de 1977 na histórica cidade sergipana, onde, mais uma vez , fez a conferência sobre O Folclore como Discurso[4], uma abordagem sobre a semiologia e folclore, que foi mais um estímulo às minhas pretensões de estudar a comunicação e o folclore num período que a cultura de massa e a televisão se consolidavam como indústria cultural dos entretenimentos  e do turismo no Brasil.
Os professores Luiz Beltrão e Roberto Benjamim tiveram participações importantes na elaboração e implantação da Divisão de Estudos do Folclore e da Comunicação criada logo em seguida ao I Encontro de Folclore e que depois veio dar origem ao Núcleo de Pesquisa e Documentação da Cultura Popular – NUPPO. Fui pesquisador e coordenador dos dois setores por alguns anos e com toda a equipe realizamos seminários, congressos, pesquisas, exposições, cursos, oficinas e tantos outros eventos técnicos científicos promovidos pela PRAC/COEX/UFPB.
Em maio de 1977 coordenei, como chefe da Divisão de Folkcomunicação/COEX/UFPB, a primeira exposição de ex-votos na UFPB. Em julho de 1979, já como Coordenador do Núcleo de Pesquisa e Documentação da Cultura Popular/NUPPO/COEX/UFPB, realizamos o simpósio: Os diversos aspectos do ex-voto do qual participei como um dos expositores com a conferência: O Ex-voto como veículo de comunicação popular, com referências fundamentadas nos artigos de Luiz Beltrão e Câmara Cascudo[5].


Luiz Beltrão, sempre teve uma forte ligação com a Paraíba, nos anos de 1950 como militante da Associação de Impressa e do Sindicato dos Jornalistas em Pernambuco colaborou na estruturação do Sindicato dos Jornalistas Profissionais da Paraíba. Como professor participou ativamente da elaboração e criação do primeiro Curso de Jornalismo em João Pessoa que funcionou de 1957 a 1964, no Instituto Nossa Senhora de Lourdes. Portanto, conhecia bem a importância de um curso de Comunicação Social na Universidade Federal da Paraíba/UFPB.



Fui membro da comissão que criou o Curso de Comunicação Social da qual faziam parte, entre outros professores, os ex-alunos de Luiz Beltrão: Arael Menezes da Costa, no curso de Jornalismo da Faculdade Nossa Senhora de Lourdes em João Pessoa e Altimar Pimentel, no Curso de Comunicação Social do Centro Unificado de Brasília/ CEUB.
Luiz Beltrão e Roberto Benjamim eram constantemente consultados na elaboração do currículo básico, inclusive na ementa e conteúdo da disciplina Folkcomunicação da qual fui o primeiro professor. O curso foi criado em 1977 e reconhecido pelo Conselho Federal de Educação em 1979.

Em novembro de 2006 o Departamento de Comunicação e Turismo da Universidade Federal da Paraíba e o Programa de Pós-Graduação em Comunicação/PPGC/UFPB, realizaram um seminário de caráter científico e cultural sobre O Pensamento Comunicacional de Luiz Beltrão no Ensino da Comunicação no Brasil: a presença de Luiz Beltrão na Paraíba[6]

O seminário teve como objetivo celebrar a presença do professor e pesquisador pernambucano na Paraíba. O evento aconteceu 30 anos depois da realização do I Encontro de Folclore da Paraíba. 


Portanto, o pouco mas importante tempo de contato pessoal com Luiz Beltrão chega ao seu final quando, em 1980, o visitei em sua residência em Brasília e, recebido por ele e por sua esposa dona Zita Beltrão de Andrade Lima, no final do nosso encontro ganhei do mestre da folkcomunicação o seu livro Folkcomunicação: a comunicação dos marginalizados, com a seguinte dedicatória: Ao Osvaldo Meira Trigueiro, pesquisador da sabedoria do povo com a estima de Luiz Beltrão. Brasília, 1980.


E assim foi a minha convivência pessoal com Luiz Beltrão, experiência que continua viva com as lembranças e com suas obras referenciais em ciências da comunicação.





[1] A dissertação de mestrado orientada por Roberto Benjamim: A audiência da TV Globo em duas comunidades rurais da Paraíba, defendida em 1987 na Universidade Federal Rural de Pernambuco/UFRPE. A tese de doutorado orientada por Antônio Fausto Neto: Quando a televisão vira outra coisa, defendida em 2004 na Universidade do Vale do Rio dos Sinos/UNISINOS.
[2] Leia o prefácio de José Marques de Melo do livro, Osvaldo Meira Trigueiro. Folkcomunicação & ativismo midiático. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2008.
[3] Ver a publicação: Documento NUPPO/UFPB - ano 1, n. 1 - João Pessoa, 1979
[4] Ver Anais comemorativos dos 20 Anos do Encontro Cultural de Laranjeiras – Aracaju – Governo do Estado/SE.
[5] Ver a publicação: Documento NUPPO/UFPB - ano 1, n. 2 - João Pessoa, 1979.
[6] Ver artigo de Trigueiro, Osvaldo Meira, In: Luiz Beltrão: pioneiro das ciências da comunicação no Brasil/José Marques de Melo, Osvaldo Meira Trigueiro, organizadores. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB; INTERCOM, 2008. P. 171-1776.