O
Carnaval é uma das maiores festas populares do Brasil. Os seus preparativos
começam logo após o término do ciclo natalino se estendendo até a quarta-feira
de Cinzas. Nos três dias que antecedem o início do período da quaresma o mundo “vira pelo avesso”, são três dias de
muitas festas, brincadeiras e fantasias.
Há uma inversão – permitida – da ordem social, são manifestações de
fugas das normas do nosso cotidiano, dos padrões morais e da aceitação do
grotesco. As pessoas fantasiadas de animais, de reis, piratas, pierrôs,
colombinas, jardineiras, homens vestidos de mulher ou mulheres vestidas de
homem. São os foliões que saem às ruas em blocos, troças, cordões e escolas de
samba para festejar o ciclo momesco, para brincar o Carnaval e que, sem saber,
estão repetindo tradições milenares que têm suas origens na Europa Ocidental.
O
Carnaval da atualidade originou-se no Entrudo, festa remota, medieval, derivada
das antigas Festas dos Loucos, dos Cortejos dos Loucos, onde nasceram os
cordões vermelhos e verdes, surgindo mais adiante o cordão azul, até hoje
presentes nos autos populares do folclore brasileiro.
O
Carnaval é trazido para o Brasil pelos portugueses. As festas realizadas nos
salões, nos teatros, os bailes de máscaras organizados pela aristocracia tiveram
como inspiração o Carnaval de Veneza e da França. A forma mais antiga de festejar o nosso
Carnaval era o Entrudo, desde os tempos coloniais quando as brincadeiras
aconteciam entre os cordões Carnavalescos
e com a participação do povo.
O
Entrudo, no Brasil, manteve por muitos anos a sua origem européia, do jogo de
mela-mela, da água de cheiro, da sátira à aristocracia e mesmo com toda a
repressão policial as brincadeiras do Entrudo resistiram ao tempo e chegaram
aos nossos dias.
Até meados de 1800 havia uma nítida separação
entre o Entrudo e o Carnaval. O primeiro tinha o sentido anárquico do “mundo
pelo avesso” e o segundo – mais organizado – era uma festa para descontração
das elites da época colonial.
O
Entrudo chegou a tal ponto que as autoridades do Rio de Janeiro resolveram
proibir. O folclorista sergipano, Luiz Antonio
Barreto no seu livro, Um novo entendimento do folclore, faz o seguinte registro: “O
Entrudo guardou, no Brasil, a idéia de ser um jogo, tal qual nasceu. No Rio de
Janeiro, por exemplo, o fiscal da Freguesia da Candelária, em 1853 assim se
refere à festa: Fica proibido o jogo do
Entrudo; qualquer pessoa que jogar incorrerá em pena de quatro a doze mil réis;
e não tendo como satisfazer, sofrerá de dois a oito dias de prisão. Sendo
escravo sofrerá oito dias de cadeia, caso o seu senhor não o mandar castigar no
calabouço com cem açoites."
Foi por
volta de 1855 que o Carnaval ganhou as ruas, os intelectuais, os artistas e as
pessoas próximas da Corte passaram a sair fantasiadas em carros alegóricos. A
historiadora Lilia Schwarcz, no seu livro As
barbas do Imperador, referindo-se ao Carnaval do Rio de Janeiro de 1855, quando
a passeata do Congresso das Sumidades Carnavalescas saiu pelas ruas faz o
seguinte relato: “Nessa data, uma comissão dirigiu-se ao Palácio de São
Cristóvão a fim de pedir que D. Pedro II e as princesas estivessem no Paço da
Cidade na ocasião da passagem do Congresso. O pedido foi atendido e o imperador
assistiu ao desfile desse grupo seleto, do qual faziam parte vários ‘’homens de
letras’’, como José de Alencar, Manuel Antonio de Almeida, Pinheiro Guimarães,
Augusto de Castro, Lourindo Rabelo”.
No
início do século passado já havia uma convivência do Entrudo com o Carnaval, as formalidades
eram esquecidas no período da festa, como também as diferenças sociais, de
idade e de sexo. Com a finalidade de transformar o Entrudo em uma festa mais
branda, a aristocracia cria as Grandes Sociedades que saíam desfilando pelas
ruas arrastando estudantes, jornalistas, artistas e escritores. Era uma
tentativa de afrancesar o nosso Carnaval.
Em resposta o povo cria os barulhentos blocos de Zé-Pereira, homens que no
sábado saiam às ruas tocando grandes tambores e bombos anunciando a chegada do
Carnaval.
É uma
manifestação de origem portuguesa ainda muito popular no Norte de Portugal. Os
foliões entoavam músicas de evocação ao período momesco: “Viva o Zé-Pereira/Que a ninguém faz mal/Viva o Zé-Pereira/No dia de
Carnaval. Até hoje também acompanham as procissões e animam as festas
locais. A festa de Nossa Senhora da Agonia em Viana do Castelo, uma das mais
tradicionais festas religiosas do Norte de Portugal é famosa pelos desfiles dos
zé-pereiras.
O
Carnaval da atualidade, com todas as modificações impulsionadas pela indústria
cultural, guarda ricas manifestações das tradições culturais ibéricas, é ao
mesmo tempo uma manifestação popular para animar o povo e um grande negócio
para a indústria cultural.
É
impressionante o poder de criatividade do povo brasileiro que cai na folia
durante os três dias de Carnaval, esquecendo as amarguras da vida vestem-se de
rei, doutor, padre, freira, lorde, de papamgu e de tantas outras fantasias.
Agora
seria um grande equívoco pensar que todas as transfigurações do Carnaval são
alienantes. É, na verdade, uma ocasião para extravasar as insatisfações,
expulsar as mazelas sociais, de fazer crítica às autoridades, aos políticos e
ao poder econômico, sem rancor e sem raiva mas com a maledicência e o jeitinho
brasileiro. Qualquer semelhança do nosso atual Carnaval com os antigos festejos
do Entrudo, trazido pelos portugueses, não é uma mera coincidência.