A
comunidade acadêmica das Ciências da Comunicação celebra em 2018 o centenário
de nascimento de Luiz Beltrão, jornalista, professor e pioneiro nas pesquisas
em Comunicação Social no Brasil. Beltrão nasceu na histórica cidade de Olinda
no Estado de Pernambuco no dia 8 de agosto de 1918, mas não vou descrever aqui
o vasto perfil do fundador da teoria da folkcomunicação porque dispensa
apresentação.
Luiz Beltrão será homenageado numa das mesas temáticas na XIX Conferência
Brasileira de Folkcomunicação – Folkcom 2018, que
será realizada em Parintins-AM nos dias 25, 26 e 27 de junho no período do
festival folclórico, da grande festa dos bois Garantido e Caprichoso, em plena
floresta Amazônica. O Folkcom 2018, tem como objetivo reunir professores,
pesquisadores, estudantes e o público interessado nos diferentes processos de
transformações e de atualizações da comunicação nas culturas populares. Durante
o evento científico em Parintins, serão realizadas diferentes mesas temáticas e
oficinas que possibilitarão aos participantes refletir sobre o desenvolvimento
dos estudos e das pesquisas no campo da folkcomunicação no contexto
sociocultural brasileiro e latino-americano. Eu, como não poderia deixa de ser,
estarei presente nos principais eventos científicos que celebram o centenário
do mestre Beltrão: junho em Parintins no Folkcom, julho em Juazeiro da Bahia no
INTERCOM/Nordeste e setembro em Joinville no Estado de Santa Catarina no 41º
Congresso Brasileiro de Comunicação/INTERCOM.
Como conheci Luiz Beltrão
Aproveitando
as homenagens a Luiz Beltrão, não posso deixar passar em branco este momento
para contar do pouco, mas importante tempo de convivência pessoal, recebendo alguns
aconselhamentos para os avanços teóricos e práticos nos estudos e pesquisas da
folkcomunicação, além da aproximação com a sua vasta referência
bibliográfica.
Foi
através do professor Roberto Benjamim, em 1974, quando era seu aluno na
graduação de jornalismo na Universidade Católica de Pernambuco e assistente nas
pesquisas em comunicação e cultura popular, que conheci Luiz Beltrão. Até aí
não conhecia a folkcomunicação, mas já tinha feito uma breve incursão no campo
da comunicação e do folclore depois de ter lido os textos publicados na revista
Comunicação & Problemas. O primeiro, de Luiz Beltrão “O Ex-Voto Como
Veículo Jornalístico” que é sem dúvida um dos textos fundadores da teoria da
folkcomunicação e o segundo, de Luís
da Câmara Cascudo “Carta Sobre o Ex-voto”. O artigo de Cascudo
foi um endosso importante para que Luiz Beltrão aprofundasse as bases da
folkcomunicação, demostrando seu interesse e entusiasmo com as ideias de
Beltrão sobre a comunicação e a cultura popular, enxergando uma nova frente de
estudos e de pesquisas no campo da comunicação, aqui no Brasil. E quem se
interessa pela folkcomunicação sabe perfeitamente que esses artigos foram
fundamentais para o desenvolvimento da teoria fundada por Luiz Beltrão. Os
textos recomendados por Roberto Benjamim abriram novos horizontes e não tive dúvida
que algo de novo emergia no campo da pesquisa em comunicação e na cultura
popular.
Os
estudos e as pesquisas que estávamos desenvolvendo na segunda metade dos anos
de 1970 e início dos anos de 1980 tinham como objetivo compreender o impacto da
cultura de massa na cultura popular e no folclore e, principalmente, nos
conteúdos da televisão que chegavam aos mais longínquos recantos do Nordeste
brasileiro. Havia uma grande preocupação, nos meios acadêmicos e nos meios dos
folcloristas, com o provável desaparecimento das culturas tradicionais e do
folclore provocado pelas invasões dos novos consumos e novos costumes
veiculados pela televisão e principalmente pelas novelas.
A
cultura de massa e a indústria cultural eram sinônimos de culturas alienantes e
devastadoras das culturas regionais e locais e, como não poderia deixar de ser,
eu também fazia parte do time que acreditava que com os avanços da cultura de
massa e da indústria cultural, seria o fim das nossas culturas tradicionais e
do folclore o que provocaria o seu “extermínio”. Mas, com os ensinamentos e os
aprendizados de Roberto Benjamim e com os contatos com Luiz Beltrão passei a ver
que nem tudo estava perdido.
Foi
nesses encontros que tomei outros rumos, outras observações para compreender
que as tradições culturais populares e o folclore, nos diferentes períodos da
história, passaram e continuam passando por importantes ressignificações
operadas pelos seus agentes (inter)mediadores, capazes de modificarem os
conteúdos da cultura de massa e que as culturas regionais e locais não eram
apenas sobreviventes a tudo isso, até porque há uma diversidade de
manifestações tradicionais vinculadas a religiões, a festas, aos trabalhos e à
economia local. Portando, foi estudando e pesquisando a folkcomunicação que
comecei a enxergar que não existia uma única tradição, mas diferentes
manifestações culturais tradicionais, passadas de geração a geração e com suas
diversidades de expressões passei a compreender, a interpretar as
ressignificações das culturas populares e do folclore e os processos de
atualizações no contexto da cultura de massa.
Com
a orientação de professor Roberto Benjamim, caímos em campo percorrendo
cidades, vilarejos e áreas rurais dos estados de Pernambuco e Paraíba, os dois
territórios das nossas pesquisas e aqui e ali uma invasão em territórios do Rio
Grande do Norte.
Nesse
período desenvolvíamos duas frentes de observações e de recolhimento de dados
de bens culturais materiais e imateriais. Uma frente sobre as festas religiosas
e profanas com foco nas festas do Ciclo de Nossa Senhora do Rosário e nas
festas do Ciclo do Carnaval, a outra frente nos locais de peregrinações
populares e suas respectivas casas de milagres onde são deixados os ex-votos.
Foi uma experiência magnifica para um jovem iniciante. Posteriormente, esse
material deu origem a uma série de publicações, inclusive a minha dissertação
de mestrado e a tese de doutorado[1].
Não
foram tempos fáceis para levantar alguns questionamentos contrários às
tendências teóricas predominantes no meio acadêmico. Melhor dizendo, as
culturas tradicionais não desapareceriam com a invasão da cultura de massa e
com a indústria cultural, até porque os agentes populares não eram consumidores
passivos dos bens culturais veiculados, principalmente, pela televisão como
apregoava o núcleo duro dos seguidores da teoria da Escola Frankfurt. Nós,
seguidores da folkcomunicação, ficamos entre a cruz e a espada, de um lado o
patrulhamento ideológico dos frankfurtianos que nos rotulava de funcionalistas
e de outro pelos folcloristas conservadores que não aceitavam os processos de
atualização das manifestações culturais tradicionais em tempo de grandes
mudanças sociais e tecnológicas.
Foi
um período de recuos, de avanços, mas também de novas conquistas no campo de
estudo e pesquisa da folkcomunicação[2]. Não era fácil romper os
paradigmas reinantes nos anos de 1980, quando defendi a minha dissertação de
mestrado e não concordava com a recepção passiva da audiência aos conteúdos da
comunicação de massa. Defendi a minha dissertação sem ter acesso a obras de pesquisadores
como Jésus Martín-Barbero, Guillerme Orozco, Jorge Gonzáles, Néstor Garcia
Canclini, entre outros. Mas comungava com o pensamento de Luiz Beltrão, que já
naquela época percebia e chamava atenção para a existência de uma ampla rede de
comunicação cotidiana, pela qual os grupos populares operam as suas interações
(inter)mediadas, quase sempre por negociações do sistema de folkcomunicação. No
meu doutorado, com a orientação do professor Antônio Fausto Neto, a “coisa” já era
muito diferente e os caminhos foram abertos para o desenvolvimento da pesquisa
teórica e empírica com base nos autores que citei e na folkcomunicação. Os
tempos eram outros e não mais existia o patrulhamento dos que acreditavam na
passividade dos constituintes das audiências na recepção, principalmente dos
programas televisivos.
O legado de Luiz Beltrão na
Paraíba
Em
1976, já como professor da Universidade Federal da Paraíba/UFPB encaminhei à
Pró-reitora para Assuntos Comunitários/PRAC e à Coordenação de Extensão/COEX um
projeto para promover o I Encontro de
Folclore da Paraíba, que foi aceito imediatamente e o evento se realizou
com grande repercussão e muitos desafios para época em que vivíamos. Durante o
encontro reunimos importantes estudiosos e pesquisadores da comunicação e da
cultura popular e, atendendo ao nosso convite, Luiz Beltrão foi um dos
conferencistas.
O
I Encontro de Folclore da Paraíba, aconteceu em outubro de 1976 na cidade de
Pombal durante o período da Festa de Nossa Senhora do Rosário que é
tradicionalmente celebrada no primeiro domingo do mês.
Pombal está localizada
no semiárido paraibano cerca de 380 quilômetros de João Pessoa e, com os nossos
convidados, viajamos de carro por mais de cinco horas eu, Roberto Benjamim,
Bráulio Nascimento (a época diretor da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro),
Altimar Pimentel (professor da UFPB), e Luiz Beltrão. Foi uma viagem
inesquecível do litoral ao sertão trocando informações sobre comunicação e
folclore. Nos dias que ficamos na cidade de Pombal, realizamos vários encontros
paralelos à programação oficial do evento, inclusive com coparticipação do
então Pró-reitor da PRAC professor Iveraldo Lucena, e nesses encontros surgiram
as primeiras ideias para a criação do curso de comunicação social e de um setor
para pesquisar e documentar a cultura popular e o folclore na Paraíba.
A
conferência de Luiz Beltrão sobre O
Folclore como sistema de comunicação popular[3]
foi sem dúvida a grande novidade do encontro de folclore e estimulou ainda mais
o propósito da criação do Curso de Comunicação Social. Pouco tempo depois do
encontro em Pombal, reencontrei Luiz Beltrão no II Encontro Cultural de Laranjeiras,
realizado em janeiro de 1977 na histórica cidade sergipana, onde, mais uma vez ,
fez a conferência sobre O Folclore como
Discurso[4],
uma abordagem sobre a semiologia e folclore, que foi mais um estímulo às minhas
pretensões de estudar a comunicação e o folclore num período que a cultura de
massa e a televisão se consolidavam como indústria cultural dos entretenimentos
e do turismo no Brasil.
Os
professores Luiz Beltrão e Roberto Benjamim tiveram participações importantes
na elaboração e implantação da Divisão de Estudos do Folclore e da Comunicação
criada logo em seguida ao I Encontro de Folclore e que depois veio dar origem
ao Núcleo de Pesquisa e Documentação da Cultura Popular – NUPPO. Fui
pesquisador e coordenador dos dois setores por alguns anos e com toda a equipe
realizamos seminários, congressos, pesquisas, exposições, cursos, oficinas e
tantos outros eventos técnicos científicos promovidos pela PRAC/COEX/UFPB.
Em
maio de 1977 coordenei, como chefe da Divisão de Folkcomunicação/COEX/UFPB, a
primeira exposição de ex-votos na UFPB. Em julho de 1979, já como Coordenador
do Núcleo de Pesquisa e Documentação da Cultura Popular/NUPPO/COEX/UFPB,
realizamos o simpósio: Os diversos
aspectos do ex-voto do qual participei como um dos expositores com a conferência:
O Ex-voto como veículo de comunicação
popular, com referências
fundamentadas nos artigos de Luiz Beltrão e Câmara Cascudo[5].
Luiz
Beltrão, sempre teve uma forte ligação com a Paraíba, nos anos de 1950 como
militante da Associação de Impressa e do Sindicato dos Jornalistas em
Pernambuco colaborou na estruturação do Sindicato dos Jornalistas Profissionais
da Paraíba. Como professor participou ativamente da elaboração e criação do
primeiro Curso de Jornalismo em João Pessoa que funcionou de 1957 a 1964, no
Instituto Nossa Senhora de Lourdes. Portanto, conhecia bem a importância de um
curso de Comunicação Social na Universidade Federal da Paraíba/UFPB.
Fui
membro da comissão que criou o Curso de Comunicação Social da qual faziam parte,
entre outros professores, os ex-alunos de Luiz Beltrão: Arael Menezes da Costa,
no curso de Jornalismo da Faculdade Nossa Senhora de Lourdes em João Pessoa e
Altimar Pimentel, no Curso de Comunicação Social do Centro Unificado de
Brasília/ CEUB.
Luiz
Beltrão e Roberto Benjamim eram constantemente consultados na elaboração do
currículo básico, inclusive na ementa e conteúdo da disciplina Folkcomunicação da
qual fui o primeiro professor. O curso foi criado em 1977 e reconhecido pelo
Conselho Federal de Educação em 1979.
Em
novembro de 2006 o Departamento de Comunicação e Turismo da Universidade
Federal da Paraíba e o Programa de Pós-Graduação em Comunicação/PPGC/UFPB,
realizaram um seminário de caráter científico e cultural sobre O Pensamento Comunicacional de Luiz Beltrão
no Ensino da Comunicação no Brasil: a presença de Luiz Beltrão na Paraíba[6].
O seminário teve como objetivo celebrar a presença do professor e pesquisador
pernambucano na Paraíba. O evento aconteceu 30 anos depois da realização do I Encontro de Folclore da Paraíba.
Portanto,
o pouco mas importante tempo de contato pessoal com Luiz Beltrão chega ao seu
final quando, em 1980, o visitei em sua residência em Brasília e, recebido por
ele e por sua esposa dona Zita Beltrão de Andrade Lima, no final do nosso encontro
ganhei do mestre da folkcomunicação o seu livro Folkcomunicação: a comunicação dos marginalizados, com a seguinte
dedicatória: Ao Osvaldo Meira Trigueiro,
pesquisador da sabedoria do povo com a estima de Luiz Beltrão. Brasília, 1980.
E assim foi a minha
convivência pessoal com Luiz Beltrão, experiência que continua viva com as
lembranças e com suas obras referenciais em ciências da comunicação.
[1]
A dissertação de mestrado orientada por Roberto Benjamim: A audiência da TV
Globo em duas comunidades rurais da Paraíba, defendida em 1987 na Universidade
Federal Rural de Pernambuco/UFRPE. A tese de doutorado orientada por Antônio
Fausto Neto: Quando a televisão vira outra coisa, defendida em 2004 na
Universidade do Vale do Rio dos Sinos/UNISINOS.
[2]
Leia o prefácio de José Marques
de Melo do livro, Osvaldo Meira Trigueiro. Folkcomunicação & ativismo
midiático. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2008.
[3]
Ver a publicação: Documento NUPPO/UFPB - ano 1, n. 1 - João Pessoa, 1979
[4]
Ver Anais comemorativos dos 20 Anos do Encontro Cultural de Laranjeiras –
Aracaju – Governo do Estado/SE.
[5]
Ver a publicação: Documento NUPPO/UFPB - ano 1, n. 2 - João Pessoa, 1979.
[6]
Ver artigo de Trigueiro, Osvaldo Meira, In: Luiz Beltrão: pioneiro das ciências
da comunicação no Brasil/José Marques de Melo, Osvaldo Meira Trigueiro,
organizadores. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB; INTERCOM, 2008. P.
171-1776.