Em agosto, no dia cinco, acontece uma das
mais importantes festas em homenagem a Nossa Senha das Neves, em Portugal, na localidade
denominada de Largo das Neves, um espaço de convergência das freguesias de Villa
Punhe, Mujães e Barrosela, denominado também, de Triângulo das Neves pertencente
ao Distrito e a Diocese de Viana do Castelo. A cidade de Viana do Castelo,
localizada no norte de Portugal, fica a cerca de 70 quilômetros do Porto e 390
de Lisboa, é rica em patrimônio cultural material e imaterial.
Mas é a romaria de Nossa Senhora d’Agonia, sem
dúvida nenhuma, a maior e mais importante festa popular da região, que se
realiza na segunda quinzena de agosto no Conselho de Viana do Castelo.
Essa Festa das Neves tornou-se popular a
partir de 1634 quando se espalharam por Portugal as capelas em devoção ao culto
mariano.
Conforme a tradição oral a Festa das Neves
foi criada como pagamento de promessas do um imigrante português, João Pires
Ramalho, retornado do Brasil e como fundador da Casa da Torre das Neves funda
também uma capela em devoção a Santa Maria das Neves. A capela passou por
períodos de decadência até ser reconstruída pela piedade barroca e a partir de
1657 as missas semanais e as romarias no dia 5 de agosto eram frequentadas por
devotos de várias localidades da região polarizada por Viana do Castelo,
principalmente das três freguesias, Villa Punhe, Mujães e Barrosela.
O historiador português Alberto Abreu, no seu
livro sobre Auto da Floripes na Festa das Neves diz:
“Em 1859 refere o Almanach de lembranças luso-brasileiras que a romaria atraía “centenares
de romeiros de todos os arredores”. A atracção popular tinha uma motivação
acrescida na concessão de indulgências. Com efeito, o papa Pio IX concedeu à
capela de Nossa Senhora das Neves o privilégio de altar, que concedia uma
indulgência plenária aplicável ao defunto por cuja alma fosse celebrada uma
missa no altar principal desta capela. Mas foi já no início do século XX que a
capela foi refeita, em 1907, e inaugurada a reconstrução em 1908” (ABREU, 2001,
p. 21).
No início do século XX a
Festa das Neves toma um caráter religioso e profano com novenário, procissão, romarias,
manifestações folclóricas e quermesses com os tradicionais comes de bebes. Uma das
atrações da festa é a encenação do Auto
da Floripes, aguardada com grande expectativa pela população do Lugar das
Neves e seus entornos.
O Auto da Floripes
Nas festas religiosas e profanas em Portugal podemos
observar importantes manifestações tradicionais que têm as suas origens na
Idade Média e entre tantas outras tradições que persistem são as várias versões
das batalhas entre cristãos e mouros comandadas pelo imperador Carlos Magno. As
inúmeras representações dos feitos de Carlos Magno são narradas nos folguedos,
nas danças, nas músicas, na literatura e no teatro popular português e aqui no
Brasil chegaram nas caravelas e continuam presentes nas nossas tradições
culturais.
O Auto da Floripes é uma narrativa teatral
popular do ciclo carolíngio, espetáculo que conta a história das batalhas entre
cristãos e mouros encenadas por populares no Largo das Neves durante a Festa de
Nossa Senhora das Neves. A encenação, a estrutura e os diálogos do espetáculo desenvolve-se,
há centenas de anos, com o mesmo objetivo, contar a história da derrota dos
mouros pelos Doze Pares de França comandados pelo Imperador Carlos Magno. O
Auto da Floripes é uma criação popular e encenada há centenas de anos pelo povo
das três freguesias vianenses.
Como quase toda a manifestação da cultura
popular, aqui e ali, o Auto da Floripes passa por processos de atualizações
introduzindo novos elementos ao espetáculo. Alberto Abreu, sobre as inovações
na encenação do Auto da Floripes, citando Cláudio Basto, transcreve: “Em 1933,
porém, os soldados cristãos envergavam fardas brancas, trazidas por um
brasileiro dum carnaval carioca”. Mas, segundo Abreu a inovação não pegou e os
fardamentos dos soldados cristãos voltaram à moda tradicional. Mesmo assim, no
decorrer do tempo, outras inovações são introduzidas nas indumentárias e no
texto, conforme a dinâmica cultual.
O Auto da Floripes narra a história da
derrota dos mouros pelos cristão, do bem contra o mal, de amor e ódio, com as
cores predominantes do vermelho, do azul, do amarelo e do cinza nas indumentárias
e cada uma tem o seu simbolismo para diferenciar os cristãos dos mouros. Carlos
Magno, Ferrabrás, Roldão, Balaão, Oliveiros, Floripes, Soldados cristãos e
mouros, Brutamontes e outros atores do povo, que vivem com entusiasmo cada
personagem do espetáculo carinhosamente assistido pela população de Villa Punhe,
Mujães e Barrosela e outras localidades que se concentram no Largo das Neves no
5 de agosto, dia da Festa da Neves em Portugal. (Acesse aqui o vídeo do Auto da
Floripes).
João Pessoa, a capital do Estado da Paraíba, completa este ano 432 anos e, no dia 5 de
agosto celebra a festa de sua padroeira Nossa Senhora das Neves, que ocorre há
centenas de anos, cada vez mais desprestigiada pelas autoridades e parte da
sociedade local, mesmo sendo uma das mais antigas festas religiosas e profanas
do Brasil.
Por onde ando, especialmente fora do Brasil,
vejo o ressurgimento das festas religiosas e profanas em homenagem aos padroeiros
e padroeiras das cidades. A tradicional Festa das Neves em João Pessoa continua
enraizada na nossa memória e na tradição cultural não só dos pessoenses mas dos
paraibanos.
Precisamos de um João Pires Ramalho que ao
retornar do Brasil para a sua terra Portugal incentivou a piedade popular de
Nossa Senhora das Neves em Viana do Castelo.
Agradeço aos amigos estudiosos do folclore
português Alberto Abreu e Alberto Rego pelas informações sobre a Festa das
Neves e o Auto da Floripes.
Referências
ABREU,
Alberto A. O Auto da Floripes no imaginário minhoto. Viana do
Castelo\Portugal: Câmara Municipal, 2001.
Memoria
Media. Registro Integral do Auto da Floripes em 2016. Vídeo disponível no You
Tube <https://www.youtube.com/watch?v=guJwUzQwnoU > Acesso em 2 ago. de 2017.