As freiras cantam no coro,As cachopas ao serãoCantam as moças e velhasNa noite de São João
(Cancioneiro de São João, Évora\Portugal)
Reencontrei a professora portuguesa Zé Justino, que é nossa parceira de investigação na Rede Folkcom – Rede de Estudos e Pesquisa em Folkcomunicação, em 2012 na cidade de Campina Grande no Estado da Paraíba-Brasil, onde no mês de junho é realizada uma das maiores festas de São João do Brasil. O nosso encontro foi na XV Conferência Brasileira de Folkcomunicação e no IX Seminário: Os Festejos Juninos no Contexto da Folkcomunicação e da Cultura Popular, um evento científico cultural promovido pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).
Zé Justino é professora na Escola Superior de Comunicação Social e investigadora no Instituto de Estudos de Literatura e Tradição/Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. A investigadora portuguesa nos últimos anos tem contribuído para o desenvolvimento de estudos e intercâmbios com a Rede Folkcom sobre patrimônio cultural, literatura e folclore português no contexto da folkcomunicação.
Nesse seminário chamou muita atenção porque trazia novos conhecimentos sobre os festejos juninos em Portugal e quase tudo era novidade para a plateia constituída na sua maioria de professores, investigadores e estudantes da área do conhecimento da comunicação social, da folkcomunicação e das manifestações culturais tradicionais e do folclore no contexto da sociedade midiatizada. A sua intervenção teve como tema principal: São João Batista na música tradicional portuguesa: São João na tradição popular portuguesa, em geral, e na música tradicional, em particular. Exemplos de usos de temas relacionados com São João, quer em comunidades rurais, quer urbanas, quer rurbanas [grifo nosso]”
A
professora Zé Justino, relata as suas experiências como pesquisadora e ativista
cultural com exemplos demonstrativos da importância das festas, das romarias,
dos cancioneiros tradicionais portugueses e de tantas outras manifestações
culturais populares e folclóricas que estão em plena atividade na sociedade contemporânea
em constantes processos de modernização do rural ao urbano e até ao rurbano
como é citado na ementa do trabalho apresentado. A professora Zé Justino usa o
neologismo rurbano – criado pelo sociólogo brasileiro, Gilberto Freyre –
para definir socioculturalmente os habitantes das pequenas cidades e aldeias
que são conceituadas como urbanas, mas na realidade continuam mantendo suas
características de comunidades rurais economicamente e socioculturalmente. No
Brasil a maioria das cidades tem menos de 50 mil habitantes e estão conectadas
ao mundo globalizado pela comunicação social e pelas redes online, mas
continuam mantendo o seu patrimônio cultural tradicional e folclórico em
permanente processo de modernização. Os estudos de Zé Justino em Portugal estão
em perfeita sintonia com o que estamos realizando na Rede Folkcom no Brasil.
Na parte final do seu trabalho apresentado na
conferência e no seminário da Rede Folkcom, a professora encanta a todos nós
com o relato das suas experiências como investigadora, ativista cultural e
participante do Cramol, um coral formado por mulheres que se dedica na
divulgação das músicas e cantos tradicionais portugueses.
Zé
Justino, na sua intervenção, mostrou que as tradições culturais e folclóricas de
celebrações dos festejos juninos – para os Santos Populares – também são fortes
em quase todas as regiões de Portugal e, finalizando a apresentação, narra a
sua experiência com o coral Cramol exibindo um vídeo do grupo cantando
as músicas tradicionais de São João em Portugal.
A
importância do coral Cramol em Portugal
O Cramol, uma
organização autônoma, é constituído por cerca de 20 mulheres e é vinculado à
Biblioteca Operária Oeirense (BOO), localizada no município de Oeiras, na área
metropolitana de Lisboa. O grupo teve como diretor artístico o maestro Rui Vaz,
que foi sucedido pelo maestro Luís Pedro Faro e desde 2003 tem a direção artística
do maestro Eduardo Paes Mamede. O grupo Cramol já fez inúmeras apresentações em diferentes
regiões de Portugal e em outros países da Europa, além de realizarem
conferências, seminários, oficinas e cursos sobre o patrimônio cultural do
cancioneiro popular português.
O
que caracteriza o grupo Cramol é a diversidade do seu repertório constituído de
músicas e cantos interpretados por vozes de mulheres tendo como base as
pesquisas dos etnomusicólogos Michel Giacometti e Fernando Lopes Graça, que por
longos anos recolheram músicas, cantos e literatura oral populares tradicionais
portugueses.
Em 2019, o Cramol celebrou os 40 anos de
existência com uma série de espetáculos, conferências em igrejas, museus,
escolas e na BOO. Duas das fundadoras do grupo, Margarida Silva e Teresa Rebelo,
em evento promovido pelo CCIF-Centro de Cultura e Intervenção Feminista e pela
UMAR – União de Mulheres Alternativas, assim definem o grupo:
O Cramol dedica-se ao
canto tradicional de mulheres por ser, em si mesmo, um testemunho de um
património único, de cultura e criação estética das mulheres rurais. Fundámos o
Cramol para preservar essa riqueza. Para mostrar o valor intrínseco da voz, do
canto que as mulheres nesses territórios criaram, produziram. Essa fala de
mulheres, uma forma de dizer e transmitir saber, um saber assente na afirmação
do sentido da terra, da dureza do trabalho, da expressão da vida e do espírito
de comunidade. Criámos o Cramol para dar a conhecer como o canto de mulheres
foi, (é?) um instrumento da construção de si mesmas, das comunidades da sua
pertença e presença evidenciando o seu poder de ser ator como mulheres. Para
revelar como o canto, essa fala de mulheres, é modo de se transcender como tal
e persistir, dando visibilidade a uma existência quotidiana de autonomia e
liberdade.
E continuam:
Como dissemos, nós, as mulheres que fazem o Cramol, cantamos o que
herdámos, o nosso património comum, especificamente no que respeita ao legado
deixado pelas mulheres. Um canto que nasce da terra e de quem a revolve, a
habita e trabalha. E dela muito espera, consoante o tempo. E desta experiencia
vivida na carne nasceu o canto, melhor dizendo, os muitos cantos que povoam o
corpo, o pensamento, desejos e falas das mulheres. A memória dessas sonoridades
interroga as circunstâncias existenciais, sociais e culturais de hoje abrindo
novas possibilidades performativas e de sentido às falas no feminino. A voz e o
corpo e as memórias que habitam o canto, enquanto totalidade que liberta, invoca
diversas dimensões da experiência humana que importa explorar e debater.
O
Cramol encanta cantando por onde passa, contando a história de vida dessas
mulheres trabalhadeiras e pela música narra os seus hábitos, seus costumes,
seus sentimentos e suas crenças. O grupo interpreta a vida dessas mulheres, que
como muitas outras, têm os seus momentos
de alegrias e tristezas, de suas lutas e aflições, de amores e desamores e tudo
isso sem apelar para o lado apenas lúdico e pitoresco ou do espetáculo
dramático de lamentações como uma diversão “para turista ver”. Muito pelo
contrário, o Cramol canta a vida de
mulheres que herdaram dos seus antepassados o patrimônio cultural e continuam
contando histórias que são removidas das raízes rurais para os espaços de
sociabilidade urbanos ou rurbanos na contemporaneidade.
Veja aqui mais um vídeo do Cramol.
Aplausos, cantos de trabalho são uma das características sociológicas, se podemos assim classificar, das mais esclarecedoras sobre visões do mundo, suas dificuldades e sua beleza intrínseca. Mulheres a ter voz, quando possível. Seguimos...
ResponderExcluirUm reconhecimento mais que merecido. Parabéns!
ResponderExcluirMuito bom esse trabalho do Cramol.
ResponderExcluirParabéns pelo artigo.
Parabéns pela bela
ResponderExcluirreportagem!