Nos últimos anos venho estudando
diferentes festas tradicionais populares brasileiras, religiosas e profanas, no
contexto da sociedade midiática e da folkcomunicação com o objetivo de
compreender os novos significados dessas celebrações na atualidade.
Há centenas de anos o homem comemora os seus ritos
de passagem, relembra as suas datas festivas, sagradas e profanas. Essas
evoluções e evocações chegam até os dias atuais incorporadas aos nossos
calendários de tradição religiosa e festiva do catolicismo popular no Brasil e
especialmente no Nordeste. Ao longo do tempo essas práticas sempre fizeram parte dos
processos das transformações culturais e religiosas da sociedade humana, das
suas relações simbólicas entre a realidade, a ficção e o lúdico, dando origem
aos diversos protagonistas e suas performances nos festejos populares.
As festas populares tradicionais são
acontecimentos identificadores dos fatos locais, são celebrações das diversas
relações sociais vivenciadas pela comunidade nos territórios sagrados e
profanos. O ser humano é um realizador de festas, portanto, a festa é parte
essencial para as relações sociais e é através das festas que se divulgam e organizam
as suas culturas e as suas memórias. É nas observações e nas interpretações das
festas populares que se descobre os códigos, as regras e os estatutos
construtores do ensinar e aprender as diversidades da cultura brasileira,
consequentemente, o desenvolvimento da identidade de um povo. As festas
populares passaram e ainda passam por importantes transformações culturais nos
diferentes momentos da história da sociedade. Num passado mais remoto com a
instituição da quaresma, depois com as navegações e os grandes descobrimentos
de novas terras e na contemporaneidade com a globalização cultural
proporcionada pelas novas tecnologias da comunicação, dos negócios do turismo e
dos acontecimentos midiáticos.
Neste final de semana acontece uma das mais importantes festas populares tradicionais da Paraíba, a Festa da Penha com os seus 249 anos de história e devoção demonstrada pelos mais de 300 mil fiéis, conforme estimativa da Policia Militar, que em romaria saem da Igreja de Nossa Senhora de Lourdes na noite do sábado (24), num percurso aproximadamente de 12 quilômetros, rumo ao Santuário de Nossa Senhora da Penha, localizado na praia do mesmo nome, e chegada prevista na madrugada do domingo. São inúmeros os devotos que caminham rumo ao santuário levando as suas oferendas para depositarem na Sala dos Milagres em agradecimento a Nossa Senhora da Penha pela graça alcançada. Ou seja, entregam o ex-voto que é a materialização da promessa cuja graça foi alcançada. O ex-voto significa o agradecimento do fiel a um Santo ou Santa pela cura de doenças, de vícios, pelo casamento, por conseguir emprego, ter passado de ano nos seus estudos, por adquirir uma casa, um carro ou uma moto e tantas outras coisas.
Enfim, o pagamento de promessa é uma manifestação de caráter religioso
vinculada a uma atividade extraordinária daquilo que foge às práticas da vida
cotidiana, materializando os pedidos através de representações em artefatos de
cerâmica, de gesso, de parafina, ou em formas de cartas, bilhetes, fotografias,
pinturas, desenhos, e orações publicadas nos jornais e outras diversidades de
manifestações artísticas culturais.
O pagamento de promessas através de
ex-votos é uma prática universal cujas origens se perderam no tempo, porém,
sabe-se que os povos do Mediterrâneo 3000 anos a.C. já ofertavam objetos e
animais às divindades como forma de agradecimento por uma graça alcançada. Portanto, o ex-voto depositado em
algum lugar considerado sagrado pelo devoto é uma forma prática de pagamento de
uma graça alcançada, mas cada expressão, cada conteúdo transportado em cada uma
de suas formas antropomorfas (representações do corpo humano ou de parte dele),
zoomorfas (as representações de animais ou parte deles) e outras formas de
representações (de pessoas ou coisas através de fitas, velas, vestuários,
mechas de cabelo, peças utilitárias de uso doméstico, aparelhos ortopédicos,
fotografias, cartas, publicações em jornais) são fontes de informação da
cultura de um povo que deve ser estudado para uma melhor compreensão das
superações de diferentes dificuldades por que passa determinada comunidade. Os
ex-votos são indicadores que certos problemas foram solucionados ou desejos
realizados, como a cura de uma doença, a aquisição de casa ou de outro bem como
carro, moto e tantos outros.
O ex-voto é
muito mais do que um bem cultural material ou imaterial de significado de
pagamento de promessa, também é necessário se considerar os seus valores
antropológico, etnográfico, estético e, como veículo de comunicação popular –
processos folkcomunicacionais – são importantes portadores de informações e de
opiniões das populações rurais e urbanas brasileiras e, sem dúvida, uma das
mais expressivas formas de comunicação popular brasileira que resiste ao tempo
e espaço no contexto da sociedade midiatizada.
A Romaria de Nossa Senhora da Penha aqui em João Pessoa, mesmo com a globalização cultural, é um importante exemplo de que a devoção popular e a tradição da festa religiosa e profana não se acabam com as novas significações culturais midiatizadas pelas novas tecnologias da comunicação. A revitalização das festas tradicionais é mais uma demonstração que a cultura popular não só é de resistência ao tempo, mas também de interpelação e de incorporação, em diferentes estâncias de espaços, de valores das culturas contemporâneas. Melhor dizendo ao invés da tão propagada visão apocalítica de alguns que pregam o fim das manifestações tradicionais populares, provocadas pela globalização, assistindo na atualidade o ressurgimento dessas manifestações tradicionais e mais uma vez digo o exemplo é a Romaria da Penha que em 2013 completa 250 anos e com certeza mais viva e forte porque esse é o desejo do povo devoto de Nossa Senhora da Penha.
É vero, caro Oswaldo. A cultura popular sempre sofreu e sobreviveu às
ResponderExcluirdiscriminações e cerceamento das culturas dominantes e dominadoras.
Seja contraponde-se ordeira e pacificamente à violência contra seus
credos e ritos ou sabotando, subliminarmente as práticas dos
violentadores. E isso , em geral, só com a força aglutinadora de
resistência e preservação de suas crenças e ritos. Com a força
catalizadora e de superação cimentadas nessas crenças e ritos. E
resistência popular não tem cor ou partido, ideologia ou encíclicas.
Tem só a força da fé e crença sedimentadas e fortalecidas na ordem
espiritual congregadora do coletivo. A isso dedicaste tua vida. E foi,
certamente, gratificante e acalentador ter vivido por e com esse fito.
Abraço e parabéns pelos 65! Jotahah Assunção
Muito bom.
ResponderExcluirNão sabia dessa romaria em João Pessoa.
Excelente post.
Abs
Érica
Grande abraço. e parabéns pela matéria. postarei o link.
ResponderExcluirCláudio (CNPQ)