domingo, 12 de julho de 2020

Luiz Antônio Barreto uma amizade de 36 anos


Roberto, Osvaldo, Luiz Antonio e Bráulio
Em maio de 1976 fui ao Primeiro Encontro Cultural de Laranjeiras, acompanhando o meu professor Roberto Benjamim, do curso de jornalismo na Universidade Católica de Pernambuco. A viagem no fusquinha de Roberto foi mais uma aventura na nossa vida de andarilhos para observar as manifestações folclóricas brasileiras e, especialmente, nordestinas. Sabíamos que em Laranjeiras estariam reunidos importantes estudiosos do folclore e da cultura popular das diferentes regiões do país e, aquela seria uma oportunidade para ampliar os nossos contatos e novos conhecimentos.  Ficamos hospedados no Hotel Fleche, que era um ponto de apoio da Empresa de Ônibus Itapemirim, distante do centro de Laranjeiras. 

Não fomos como convidados da organização do evento e achamos melhor ficar mais afastados, mas com a intenção de, aos poucos, nos aproximarmos dos convidados e dos grupos folclóricos que lá se encontravam. Eu, um jovem que tinha colado grau no curso de jornalismo em dezembro de 1975 estava deixando o período de estagiário para assumir como professor da Universidade Federal da Paraíba, e o professor Roberto Benjamin já era referência no campo dos estudos do folclore, conhecido de alguns ilustres convidados e eu  estava iniciando a minha  trajetória de pesquisador, que se alongou por toda minha vida acadêmica e sem dúvida foi no Encontro Cultural  de Laranjeiras que dei a partida inicial para as pesquisas empíricas e teóricas.     

Chegando em Laranjeiras próximo do horário previsto para abertura do evento encontramos os professores e pesquisadores pernambucanos Valdemar Valente e Mário Souto Maior, que além do Roberto Benjamin eu também os conhecia e foi um grande alívio para mim encontrar os dois ilustres convidados que  animadamente faziam elogios às nossas atividades como estudiosos e pesquisadores do folclore ao nos  apresentarem a Luiz Antônio Barreto, idealizador e coordenador do evento, e a Bráulio Nascimento, presidente da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro/CDFB. Esse encontro foi um acontecimento que marcou muito a minha vida como professor, pesquisador do folclore e da cultura popular, da comunicação de massa e da folkcomunicação, campos de estudos de meu interesse até hoje.

Roberto Benjamin, foi meu professor na graduação no curso de jornalismo e na pós-graduação como orientador no mestrado e sempre fez parte desde o início da minha formação acadêmica. Mas a partir daquela noite de 28 de maio de 1976 Luiz Antônio Barreto e Bráulio Nascimento incorporaram, com muita honra, o time dos meus grandes mestres e com eles sempre estava apreendo como fazer uma investigação de campo, ser ético e respeitar os detentores dos sabres populares. E assim foi por longas décadas de convivência, de amizade e respeito, muitas vezes com divergências de opiniões e definições de conceitos.

Este depoimento é para prestar a minha homenagem a Luiz Antônio Barreto, porém não podia deixar de citar esses dois importantes mestres e amigos, Roberto Benjamin e Bráulio Nascimento, que quase sempre estávamos juntos participando de congressos, simpósios, reuniões, projetos de pesquisas e de tantos outros eventos culturais em diferentes lugares, mas foi nos encontros culturais da histórica cidade de Laranjeiras que nossa amizade consolidou-se e junto vieram tantos outros que gostaria de citar, até porque continuamos mantendo contatos e resguardando o legado deixado por Luiz Antônio Barreto, assim como: Jackson da Silva Lima(SE), Algaé D’Ávila Fontes (SE), Beatriz Góis Dantas (SE), Lindolfo Amaral (SE ), Luiz Fernando Soutelo (SE), Antônio Alves do Amaral (SE), Verônica Nunes (SE),  José Maria Tenório (AL) Cáscia Frade (SP), Maria Thereza de Camargo (SP), Marlei Sigrist (MS), Toninho Macedo (SP), Severino Lucena (PE), José Fernando Sousa e Silva (PE), Affonso Furtado (RJ), Eleonora Gabriel (RJ) José Ronaldo de Menezes – o mestre Zé Rolinha (SE) e tantos outros que constituem uma rede de estudiosos e pesquisadores que deram significativas contribuições para os novos entendimentos do folclore e da cultura popular na atualidade.  

Luiz Antônio Barreto, historiador, jornalista, folclorista e um importante aglutinador de pessoas com opiniões divergentes e com essa capacidade mediadora fez do Encontro Cultural de Laranjeiras um dos mais importantes e longínquos eventos temáticos sobre o folclore e cultura popular no Brasil.  O encontro de Laranjeiras rompeu a barreira dos 40 anos ininterruptos, por lá passaram ilustres intelectuais brasileiros e estrangeiros que deixaram importantes contribuições na formação de várias gerações de estudiosos, de pesquisadores e principalmente de jovens, assim como eu que cheguei para participar do primeiro encontro cultural como aprendiz, continuo participando e aprendo cada vez mais.

O Encontro Cultural de Laranjeiras, possibilita o diálogo para uma melhor compreensão de novos entendimentos do folclore e da cultura popular, onde se ouvem opiniões diversas, narrativas de novas experiências, de importantes ideias e de fundamentações teóricas (palestras, seminários, etc.) e práticas (oficinas, minicursos e as trocas de saberes com os mestres populares). Luiz Antônio Barreto, foi o grande idealizador do Encontro Cultural de Laranjeiras e sempre teve o apoio dos seus pares sergipanos e de tantos outros estudiosos de diferentes regiões do Brasil, porque acreditavam na sua proposta, no seu projeto de pesquisa, de registro, de divulgação e de apoio aos grupos folclóricos. Era impressionante o poder de articulação e de diálogo que Luiz Antônio tinha com autoridades públicas e com os empresários, não media esforços para conseguir o apoio, os patrocínios necessários para a realização do encontro de Laranjeiras, é bom que se diga, sem fazer concessões dos seus objetivos e mesmo em tempo de crises políticas e financeiras o evento acontecia.

Ao longo dos anos o encontro foi ampliando o seu espaço para divulgar Laranjeiras como uma cidade detentora de importantes patrimônios culturais materiais e imateriais. Um dos principais objetivos do encontro é reunir estudiosos e pesquisadores da nossa cultura popular para conhecer de perto as manifestações dos grupos folclóricos, as igrejas, os casarões, o mercado, o trapiche e as ruas históricas de cidade. O encontro cultural contribuiu ainda mais para a projeção de Laranjeiras no cenário nacional e internacional. Assim como disse Luiz Antônio Barreto:

Quando a somação do Governo do Estado com a Prefeitura Municipal, apoiada pela então Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, Laranjeiras foi a destinatária de um conjunto de ações, em torno do I Encontro Cultural, como a restauração da velha Casa de Laranjeiras e instalação do Museu Afro Brasileiro de Sergipe, iniciando uma série de restauros que devolveu ao uso público monumentos sociais, como o Mercado da cidade, o Trapiche, a Casa da Câmara, bem como recuperou ruas de calçamento de pedra, enquanto pavimentou outras, tornando melhor o piso da cidade. Com o Encontro Cultural de Laranjeiras Sergipe foi grande beneficiado, porque foram gravados, pela primeira vez, os sons dos grupos folclóricos e editados discos, livros, cadernos de folclore, dando visibilidade a um variado elenco de grupos, cada um com sua característica (citação do artigo publicado em 01/01/2000/Infonet).

O Encontro Cultural de Laranjeiras não pertence só ao povo sergipano é um patrimônio de todos nós, é uma sala de aula aberta aos estudiosos, pesquisadores, aos mestres e brincantes das manifestações das culturas populares. Como afirmou Bráulio Nascimento:

Na verdade, não é possível falar do desenvolvimento dos estudos da cultura popular no Brasil sem passar por Laranjeiras. Muitas ideias aqui expostas e debatidas constituíram o núcleo de trabalhos de maior fôlego, que motivaram e estimularam debates em outros pontos do País, em outros contextos culturais (citação do artigo publicado em 2005 nos 30 anos do Encontro Cultural).

 

No encontro de 1977 cerca de 200 grupos estiveram presentes durante a realização do evento e Laranjeiras passou a se chamar, simbolicamente a capital do folclore brasileiro no mês de janeiro. A professora e pesquisadora Aglaé Fontes, na apresentação da publicação comemorativa dos 20 anos do encontro afirma que:

Ao longo dos 20 anos O Encontro Cultural de Laranjeiras, vem se constituindo um foco de resistência cultural em defesa do folclore. Com as mais diversas formas de ver, pesquisadores e estudiosos da cultura popular, apresentam, a partir de temas, informações e aprofundamento de estudos, que fazem do simpósio um fórum aberto das discussões de ideias (citação do texto de apresentação da publicação dos 20 anos do encontro).

 

Portanto, o evento foi crescendo tomando demissões que extrapolam o território da cidade histórica de Laranjeiras e do seu entorno, ultrapassando o território sergipano e passa a ser reconhecido por instituições culturais, estudiosos e pesquisadores nacionais e internacionais. Sou testemunha ocular da história do Encontro Cultural de Laranjeiras, não só por participar do primeiro realizado em maio de 1976 e em tantos outros, mas também fazia parte de um pequeno grupo que gozava da  amizade, da confiança e do carinho de Luiz Antônio conquistados durante os 36 anos de muitos encontros alegres e tristes porque nem tudo foi festa. Nos últimos anos Luiz Antônio já não participava do encontro em Laranjeiras achava que o objetivo principal do evento era a valorização dos grupos folclóricos tradicionais e que estavam sendo menosprezados pelas autoridades locais. Ou seja, os grupos folclóricos não são mais os protagonistas do evento, agora são os coadjuvantes da festa. 

O tema central do encontro em  2018 foi, Nosso palco é a rua, mas os camarotes e os palcos patrocinados pela administração municipal é que tomaram conta das ruas de Laranjeiras para apresentações de shows artísticos predominantemente de cantores e cantoras de músicas sertanejas e os grupos folclóricos  tradicionais ficaram renegados e a festa já não é mais deles com era desejo do seu idealizador e de sua equipe de apoio. Nada contra qualquer gênero de música e de show artístico, mas cada qual no seu tempo e espaço e Barreto não concordava com a secundarização dos grupos folclóricos e com a falta de apoio a eles.   

O tempo e o espaço do Encontro Cultural de Laranjeiras, das manifestações dos grupos folclóricos, da Festa de São Benedito e de Nossa Senhora do Rosário celebrada no dia de Reis, deveria ser respeitado pelas autoridades civis e religiosas. O volume alto do som, que durante o dia ecoa dos palcos, abafava as falas dos conferencistas e dos debates que se realizavam no simpósio e, de noite, abafava as músicas e danças dos grupos folclóricos. Mas, assim mesmo a Taieira, a Chegança e o Cacumbi saíram em cortejo, no domingo pela manhã, rumo à igreja de São Benedito para participar da missa de coroação das rainhas de Nossa Senhora do Rosário e da Taieira, percorrendo as ruas desviando ora dos automóveis, ora dos palcos instalados nas esquinas, nas praças e até no meio das ruas numa verdadeira caminhada de obstáculos até chegarem à igreja. E essas atitudes adotadas pelas últimas administrações do município de Laranjeiras foram afastando Luiz Antônio do encontro cultural. 

O meu último encontro presencial com Luiz Antônio Barreto, foi em janeiro de 2012 no Instituto Tobias Barreto de Educação e Cultura-ITBEC, instalado no prédio da Biblioteca Central da Universidade Tiradentes, quando estava totalmente dedicado às atividades do ITBEC cheio de ideias para novos projetos de curto e médio prazos, mas não sentia aquele entusiasmos quando falávamos do encontro cultural de Laranjeiras, das políticas públicas de apoio às culturas tradicionais. Foi um dia de boas conversas, de recordação dos acontecimentos que participamos, a saudade de alguns amigos que não estavam mais aqui com a gente, isso tudo durante as quase duas horas andado pelas instalações do ITBEC. Fomos almoçar e continuamos conversando e já no final da tarde deixou-me no hotel e nos despedimos com um até breve e jamais poderia imaginar que seria o nosso encontro final. Foi assim a nossa amizade durou de 1976 até o dia 17 de abril de 2012 quando recebi a notícia do seu falecimento por telefone da nossa amiga Aglaé Fontes.

        Não poderia deixar de registrar aqui o projeto Contos Populares Brasileiros, com administração cultural de Luiz Antônio Barreto, que na época do seu desenvolvimento era o Superintende do Instituto de Documentação da Fundação Joaquim Nabuco-Fundaj, que envolveu diferentes instituições culturais do Brasil e de Portugal. Mais uma vez Luiz Antônio me faz uma provocação para mais um desafio o de assumir com o professor e pesquisador Altimar Pimentel a coordenação do projeto na Paraíba. E como resultado do desafio iniciado em 1987, com a supervisão do professor Bráulio do Nascimento, o trabalho foi publicado em 1996 pela Editora Massangana da Fundaj.

O Encontro Cultural de Laranjeiras, possibilitou e continua possibilitando, nestes anos todos, significativas reflexões sobre a cultura tradicional na contemporaneidade, continua contribuindo na formação de jovens estudiosos e pesquisadores do folclore e da cultura popular brasileira e especialmente nordestina.

E assim Luiz Antônio Barreto deixa o seu legado, não só nas importantes publicações em livros, nos anais dos encontros de Laranjeiras, nos colóquios de Tobias Barreto, nos seminários de Estudos Medievais, em incontáveis artigos publicados em jornais, não só como secretário de educação e de cultura, mas também como incentivador e apoiador de diferentes eventos culturais, organizador e criador do Instituto Tobias Barreto de Educação e Cultura, uma de suas maiores paixões.

E por último deixo aqui a seguinte mensagem de Luiz Antônio Barreto sobre o encontro cultural como uma demonstração de respeito e admiração que tinha pela histórica cidade de Laranjeiras e do simpósio cultural: 

O Encontro Cultural de Laranjeiras é um campus avançado de cultura que está ensinando a pensar o povo e sua existência no tempo histórico e no espaço da região com suas tipicidades que, em muitos pontos, converge inteira para espelhar o Brasil. Talvez falte apenas  um detalhe: é a consciência da importância do Simpósio para Sergipe e para a comunidade intelectual brasileira (citação do texto:  Laranjeiras, a Revisão Religiosa, publicado na edição comemorativa dos 20 anos do Encontro Cultural de Laranjeiras).  

Os seus livros, artigos, suas ideias, seus conceitos e métodos de pesquisas continuam atualizados e disponíveis em centros culturais, bibliotecas e redes sociais.  

Tabatinga/PB, outono de 2020.

 

Texto originalmente escrito para a Revista da Academia Lagartense de Letras, nº6, dossiê Luiz Antonio Barreto, acessível em: http://www.allrevista.com.br/index.php/allrevista/issue/view/7