domingo, 22 de maio de 2011

Casa 110 da Rua do Cinema*



Esse era o endereço da casa onde nasci e vivi por muito tempo na cidade de Patos, Rua Pedro Firmino 110, a rua do cinema. A nossa casa ficava quase em frente ao Cine Eldorado de seu Agripino e Joaquim Araújo. Era a calçada e a escadaria do Cinema um dos pontos dos nossos encontros para as brincadeiras de criança e na adolescência para paquerar as alunas do Colégio Cristo Rei, que após as aulas desfilavam, em roupas de normalista, até ao cinema com o pretexto de olhar os cartazes dos filmes da semana. A escadaria do Eldorado e o passeio nas noites de domingo na rua do cinema era um território livre para a sociabilidade da juventude patoense nos anos 50 e 60 do século passado. Ali que se iniciavam os namoros, os rapazes enfileirados de um lado e do outro da rua e as moças desfilando entre o corredor humano se exibindo como se fosse uma passarela. O Cine Eldorado era uma referência cotidiana na cidade e consequentemente nas nossas vidas e para nós moradores da rua do cinema essa referência era ainda mais forte. Tudo ou quase tudo que fazíamos tinha alguma coisa ligada ao cinema.
Quando vivemos o nosso cotidiano tudo parece óbvio, sem importância, mas com o passar dos anos vamos verificando que o cotidiano é extraordinário, é a nossa experiência de vida. O Cine Eldorado de seu Agripino fazia parte do meu cotidiano da adolescência e de adulto, quando já estudava jornalismo em Recife e de férias em Patos passava horas e horas conversando com seu Agripino sobre cinema, conhecendo melhor a história do cinema mundial e do cinema brasileiro. Sabia quase tudo sobre o Oscar, sobre a vida dos grandes astros do cinema, a história de cada filme que programava para exibir no seu cinema. Era assim o seu Agripino.
              O Cine Eldorado e seu Agripino na minha adolescência estão até hoje registrados na minha memória. Seu Agripino sempre muito elegante e educado passava todos os dias na minha rua em direção ao cinema, mas era muito “severo” quando alguém desrespeitava o seu cinema ou filme que estava mostrando. Severo também com a entrada de menores em projeções proibidas para menores de 16 e 18 anos. Foi numa dessas situações que esbarrei de frente com seu Agripino pela primeira vez. Num desses filmes proibidos para menos de 18 anos eu e mais um grupo de amigos moradores da rua do cinema, todos na faixa etária dos 14 aos 16 anos, tentávamos assistir o filme proibido entrando no cinema pelos fundos, por uma passagem privada da casa de seu Joaquim Araújo (o outro sócio de seu Agripino) e o cinema. O grupo de adolescentes era liderado por Érico, filho de seu Joaquim Araújo, e quando já estávamos quase entrando no cinema apareceu bem na nossa frente seu Agripino que interrompeu a aventura proibindo a nossa entrada e ameaçando contar tudo aos nossos pais, o que acho que nunca aconteceu. O segundo momento registrado na minha memória foi na exibição de estreia do filme Os Dez Mandamentos: o cinema estava lotado, lugares reservados para as alunas internas do Colégio Cristo Rei – sempre vigiadas pela Madre Superiora –, para os alunos internos do Colégio Diocesano, também vigiados por Monsenhor Vieira, o diretor do colégio. Fomos todos ao cinema, o meu pai, a minha mãe, eu e meus irmãos. A expectativa era grande quando momentos antes do início da projeção seu Agripino sobe no palco e faz uma preleção sobre o filme, como foi a direção, a produção e chamando atenção para a necessidade de um intervalo de 15 minutos  para um breve descanso por que o filme  tinha duração de mais de 3 horas, era mais uma novidade. Foi um grande acontecimento na cidade e durante todo o período de exibição de Os Dez Mandamentos se faziam grandes filas na “minha rua” para assistir ao filme. Todas as noites chegavam caravanas das cidades mais próximas em romaria para o cinema. O terceiro e mais importante encontro com seu Agripino foi quando o Fortelândia (um clube de jovens que existiu em Patos nos anos de 1960 e 1970) resolveu homenageá-lo pelos grandes serviços prestados à cultura da cidade.  Seu Agripino não era apenas mais um proprietário de cinema era um profundo conhecedor e admirador do cinema e para ele o Cine Eldorado não era somente um negócio, era um estilo de vida.
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* Artigo publicado na Cinenordeste - Revista da Academia Paraibana de Cinema. Ano 1 nº2

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