A Prefeitura Municipal de
Cabedelo abriu oficialmente, nesta terça-feira (27/05/2014), no Teatro Santa Catarina, o Ano Cultural
Altimar Pimentel, para o qual fui convidado
para fazer a conferência de abertura e contar um pouco da história da minha
vivência e convivência com Altimar no decorrer de nossa missão nas pesquisas da
cultura popular e do folclore, por mais de 20 anos. O evento de abertura
também contou, entre outros, com a presença do presidente da Comissão Nacional
de Folclore, professor Severino Vicente (RN), do prefeito Wellington Viana
França, da secretária de Educação, professora Clecy Alves de Vasconcelos, do assessor geral professor Neroaldo Pontes e da professora Cleide
Pimentel, representante da família do homenageado.
Sobre Altimar, escrevi:
Era uma vez
A Paraíba sempre teve uma tradição de grandes
estudiosos e pesquisadores do nosso folclore e da nossa cultura popular,
poderíamos listar vários desses importantes pesquisadores paraibanos que
continuam sendo citados em trabalhos publicados no Brasil e no exterior. Entre
tantos pioneiros, destacamos aqui o trabalho de Altimar Pimentel, paraibano por
adoção e de coração, assim ele gostava de ser denominado.
Caminhos
dos garimpos: novas descobertas
Altimar
de Alencar Pimentel nasceu em Maceió, no Estado de Alagoas em 30 de outubro de
1936 e faleceu em João Pessoa a 21 de fevereiro de 2008. Fixou-se na Paraíba em
1952, foi professor, jornalista, dramaturgo e pesquisador da cultura popular,
Exerceu vários cargos na administração pública e aqui destaco a sua atuação na
UFPB como professor e pesquisador no Núcleo de Pesquisa e Documentação da Cultura
Popular/NUPPO e no Curso de Comunicação Social.
1978 - Seminário sobre Folclore e Turismo na UFPB |
Entre as muitas contribuições de Altimar Pimentel à
cultura paraibana destaca-se a pesquisa e o estudo dos contos populares que se
encontra no acervo do NUPPO/UFPB.
Altimar participou ativamente da criação do Museu do
Folclore que posteriormente passou a ser o NUPPO, assim como da implantação do
Curso de Comunicação Social da UFPB, hoje o Departamento de Comunicação e
Turismo – DECOMTUR. Foi também responsável pela reativação da Comissão
Paraibana de Folclore e pela coordenação do II Encontro de Folclore da Paraíba,
realizado aqui em Cabedelo em 1977, que teve como tema central o estudo e a
pesquisa dos contos populares. Colaborou na organização da IV Festa do Folclore
Brasileiro, realizada em João Pessoa em agosto de 1978, I Encontro de Folclore
da Paraíba em Pombal realizado em outubro de 1976, no período da tradicional
Festa do Rosário.
Na
atualidade, aqui no Brasil, qualquer estudo ou mesmo notícia sobre contos
populares tem que fazer referência ao trabalho desenvolvido pela equipe
coordenada por Altimar Pimentel na UFPB através do NUPPO e principalmente as
narrativas deixadas por Luzia Teresa.
A
grande descoberta da Jornada de Contadores de Estória da Paraíba, sem dúvida,
foi a narradora Luzia Teresa que chegou a contar 242 estórias diferentes e
passou a ser considerada, por especialistas brasileiros, uma das maiores
narradoras de contos populares do Brasil e, possivelmente, do mundo.
Altimar reúne 242 contos narrados por Luzia Teresa em cinco volumes
publicados pela Editora Thesaurus e pela UFPB.
No II Volume de Estórias de Luzia
Teresa, o argentino Felix Coluccio, escritor e estudioso da cultura popular
latino-americana, falando da importância dos estudos de Altimar Pimentel sobre
Luzia Teresa diz:
Por fim, gravado tudo o que ela acumulava em sua privilegiada memória, estudados todos os contos que há muitos anos estavam em sua lembrança, Pimentel os foi ordenando e, ainda mais, numa tarefa verdadeiramente ciclópica, fez o estudo de cada uma das estórias, revelou sua dispersão universal, e além disso, traçou seu itinerário e enquadrou cada uma delas nos tipos correspondentes à classificação de Aarne e Thompson, confirmando simplesmente que versões similares foram documentadas na Europa, Ásia e América, como Pimentel já nos fizera conhecer antecipadamente.
Ainda
no II Volume, Bráulio do Nascimento, como presidente do Instituto Nacional de
Folclore e Presidente da Comissão Nacional de Folclore, ressaltando o valor de
Luzia Teresa para a posteridade, sua importância como artista popular e pelo
domínio que tinha em narrar as estórias de reis, rainhas, príncipes e princesas,
das lutas entre o mal e o bem, ora fazendo os constituintes da recepção de suas
narrativas rirem ou chorarem. Assim diz o professor Bráulio do Nascimento:
Luzia Teresa, contando suas estórias ilustradas por uma gestualidade peculiar, de que não se perde a imagem, teria surpreendido e tranquilizado Herder com uma recolha tão significativa, dois séculos depois de seu alerta. Era uma mulher frágil, que se transfigurava na companhia dos reis, rainhas, príncipes e princesas, num convívio natural, descrevendo palácios e carruagens, como se houvera circulado pelos salões ou passeado nas carruagens.
Altimar
deixa um legado para muitas gerações de estudiosos, de pesquisadores. Luzia
Teresa se foi, mas graças ao trabalho de Pimentel, com o apoio da UFPB através
do NUPPO, a sua memória, o registro da sua voz e de suas gestualidades em
fotografias estão disponíveis para gerações e gerações de estudiosos e
pesquisadores do folclore e da cultura popular.
O
mesmo aconteceu com Tia Beta, e Altimar revela para o mundo uma das maiores
romanceiras populares da nossa história. Tia Beta deixou em filme e CD as suas
estórias de Trancoso, de reis rainhas, de bichos que falam como gente, do bem e
do mal.
Aqui
estiveram nesses encontros pesquisadores como Theo Brandão (AL), Bráulio
Nascimento (RJ), Ruth Terra (SP), Vicente Sales (PA), Deifilo Gurgel (RN), Verissimo
de Melo (RN), Saul Martins (MG), Domingos Vieira (MA), Luiz Beltrão (DF),
Roberto Benjamim (PE), Ricardo Noblat (PE), Mario Souto Maior (PE), Fernando
Freyre (PE), Neuma Fechine (UFPB), Socorro Aragão (UFPB), Willis Leal (PBTur), José Nilton (UFPB), Paulo Melo (PB) e tantos outros
importantes nomes dos estudos e das pesquisas do folclore brasileiro.
Também
nesse encontro foi lançado o LP Nau Catarineta de Cabedelo, um importante
documento discográfico desse folguedo que teve como idealizador e coordenador
Altimar Pimentel. Melhor dizendo, tivemos o lançamento de dois documentários o
LP produzido pela Marcos Pereira/FUNARTE e o compacto da série documentos sonoros
produzidos pela Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, também sobre a Nau
Catarineta de Cabedelo.
Altimar atuou, com competência, em várias
frentes, mas foi como um verdadeiro garimpeiro em busca de um tesouro quase
desconhecido pelas universidades brasileiras e, por isso, um pioneiro na
pesquisa e documentação das estórias contadas pelo povo paraibano, do litoral
ao sertão. As estórias do mundo fantástico que até encantam os nossos sonhos.
No
projeto Jornada de Contadores de Estórias
da Paraíba, criado em 1977 com o apoio do professor Iveraldo Lucena, então Pró-Reitor
para Assuntos Comunitários/PRAC/UFPB e de Carmem Isabel e Silva, coordenadora
da COEX/UFPB, Altimar iniciava a sua caminhada em busca de contadores de
estórias nas diferentes regiões do estado.
Era
um fato inédito e até inusitado na época, para o que se chama de pesquisa
acadêmica, e aí não podemos deixar de citar a importância de todos esses processos
de aproximação da UFPB com o folclore e a cultura popular no reitorado do professor
Lynaldo Cavalcanti. O
professor Neroaldo Pontes, num período mais recente, também deu a sua
contribuição quando Reitor da UFPB.
A
Jornada de Contadores de Estórias da
Paraíba, que também teve o apoio da Fundação Nacional de Artes/FUNARTE, da
Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro coordenada pelo professor Bráulio
Nascimento, órgãos do então Ministério da Educação e Cultura, posteriormente
veio a se tornar um dos mais importantes projetos de coleta de contos populares
do Brasil e até hoje continua sendo uma referência para estudiosos e
pesquisadores brasileiros e estrangeiros.
O
acervo de contos populares do NUPPO é constituído por cerca de 300 narradores
de estórias de 27 cidades paraibanas, que resultou em aproximadamente 1.600
contos gravados, transcritos e, quase na sua totalidade, publicados – Jornada de Contadores de Estórias.
A
preocupação de Altimar não era só a coleta dos contos mas, também, realizar
estudos e fazer a divulgação para chegar ao maior número de pessoas
interessadas no gênero narrativo e isso foi realizado.
Com
o sucesso da publicação das estórias em caixas veio em seguida a publicação
pelo programa Biblioteca da Vida Rural
Brasileira em 1981 – um dos projetos do Programa Nacional de Ações Socioeducativas
e Culturais para o Meio Rural/PRONASEC-RURAL, do Ministério da Educação e
Cultura/MEC.
O
projeto tinha como objetivo a seleção e a adaptação de textos que serviam como
complemento – transversal – de incentivo ao aluno, a fim de criar e consolidar
hábitos e habilidades de leitura, atentando-se para a realidade
sócio-econômica-cultural da área de sua abrangência.
Altimar
continua a sua jornada com as publicações pela Editora Thesaurus com o livro Estórias de Cabedelo com 27 contos
narrados por 13 contadores, todos da cidade de Cabedelo. Publica o I Catalogo
Prévio do Conto Popular da Paraíba, também, dedicado aos contos coletados aqui
em Cabedelo.
Na
sua análise sobre os contos populares Altimar lembra que os grandes autores de
obras literárias universais tiveram como fonte os contos, os mitos e as lendas,
matéria-prima que já vem da tragédia grega, do teatro da Idade Média e do
Renascimento. Altimar chama atenção para
a importância que tiveram os contos, os mitos e as lendas em autores como
Shakespeare, Goethe, Bertolt Brecht e para diversos autores brasileiros e entre
tantos os paraibanos José do Lins Rego e Ariano Suassuna.
Como
professor, pesquisador do nosso folclore e da nossa cultura popular mas,
sobretudo, como coordenador do NUPPO, eu tive o privilégio não só de participar
das pesquisas de Altimar, mas também de apoiar no que foi possível para o
melhor desenvolvimento do projeto da Jornada
de Contadores de Estórias da Paraíba. Essa contribuição ganha visibilidade
com a publicação do livro Contos
Populares Brasileiros – Paraíba (Recife, Fundação Joaquim Nabuco – Editora Massangana,
1996). Na coletânea que coordenamos foram publicados 87 contos, contados por 56
narradores de 15 localidades diferentes do Estado da Paraíba.
O
projeto do Conto Popular e Tradição Oral
no Mundo de Língua Portuguesa, coordenado por mim e Altimar Pimentel,
resultou de um Convênio celebrado entre o Brasil e Portugal, por ocasião da
visita do então Presidente da República Portuguesa Mário Soares à Fundação
Joaquim Nabuco, em Recife, Pernambuco, em 1987 e na primeira etapa o projeto
seria desenvolvido no Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. O projeto
brasileiro foi dividido em subprojetos compreendo inicialmente nove Estados e a
Paraíba foi incluída nessa primeira etapa graças ao trabalho anteriormente desenvolvido
por Altimar no NUPPO.
São
várias as opiniões de importantes estudiosos e pesquisadores dos contos
populares sobre o trabalho desenvolvido por Altimar Pimentel e sem dúvida a
coleta, a divulgação e o estudo do conto popular na Paraíba inserem-se no
contexto da cultura do local e como linha de pesquisa da Universidade Federal
da Paraíba, através do seu Núcleo de Pesquisa e Documentação da Cultura
Popular/NUPPO. Mas, não foi fácil incluir não só o conto popular neste contexto
da pesquisa acadêmica, mas o folclore e a cultura popular numa perspectiva mais
abrangente, por serem vistos como objeto lúdico, exótico e sem maiores
interesses para o mundo acadêmico.
Nas
décadas de 70 e 80 do século passado vivemos períodos de patrulhamentos
ideológicos, por determinados segmentos da universidade, éramos mencionados como
professores e pesquisadores de segunda “categoria” pela ocupação do nosso tempo
com estudos das manifestações folclóricas e das culturas populares.
Atualmente
vejo com satisfação o resultado de todo esse trabalho desenvolvido por
arrojados estudiosos e pesquisadores que passaram pelo NUPPO, que contribuíram
na construção de um acervo de diferentes manifestações culturais tradicionais.
Assim
foi Altimar Pimentel, um garimpeiro de estórias, professor, jornalista, dramaturgo,
pesquisador do nosso folclore, da nossa cultura popular, alagoano de
nascimento, paraibano por adoção e de coração.
Esse é um pequeno testemunho de quem foi
Altimar e, entrei pela perna de pinto e saio pela perna de pato, seu rei mandou
dizer que eles contassem quatro.
A solenidade encerrou em clima de festa com os convidados e plateia cantando uma canção da Nau Catarineta de Cabedelo, Paraíba.
Pois sim, caro Osvaldo Trigueiro. Justíssima qualquer homenagem a Altimar Pimentel enquanto pesquisador e divulgador da cultura popular brasileira, particularmente a Nordestina, tendo a Ufpb como elevado centro de coleta, estudo, sistematização e divulgação das mais importantes estórias da nossa cultura populares, muitas delas com raízes em matrizes que extrapolam nossas raízes culturais ibérico-latinas. No mais, apenas apontar pequeno lapso no teu texto-discurso: a repetição de citação, ao início do texto, atribuída a autores distintos. Abraço, saúde e bem-estar em geral para a família. [Joseh Antonio Assunção, TvUFPB]
ResponderExcluirValeu caro Assunção, de fato houve o erro mas já corrigido. Obrigado.
ExcluirFortalecer, resgatar e registrar o trabalho de garimpeiros da cultura popular é uma ação notável que deve ser divulgada e debatida enquanto identidade cultural. Carlos Cartaxo
ResponderExcluirMeu caro Osvaldo.
ResponderExcluirLembrei-me de minhas passagens por João Pessoa. Altimar e você Osvaldo sempre me distinguiam com elevada fidalguia. Na última, Altrimar presentiou-me com sua excelente coleção de livros do Folclore Paraibano, recém-lançada.. Aliás, acabei sendo o primeiro a recebê-la, pois, pessoalmente, ele conduziu-me à gráfica para tal fim. Também, confiou-me outra coleção . Esta para fazer chegar à Biblioteca da Academia Brasileira de Letras. no Rio. Momentos indeléveis . Afetuosamente.. Affonso Furtado
Beleza de pronunciamento sobre o nosso Altimar, com quem convivi em tempos outros, próximos da Geração 59, liderada por Vanildo Brito e que o teve como um dos mais representativos, na área do Teatro.
ResponderExcluirTrilhando caminhos diferentes, por muito tempo, nos encontrávamos esporadicamente e amiudamos nossos contatos no alvorecer do Curso de Jornalismo, quando integramos a comissão que o formatou e nos integramos ao novel Departamento de Arte e Comunicação. O perdemos cedo, mas felizmente me parece que o seu trabalho não foi em vão e o acervo resultante está resguardado.
Um abraço, Arael M da Costa