quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

A Mística do Instante: o tempo e a promessa

É o mais recente livro do padre, teólogo e vice-reitor da Universidade Católica Portuguesa José Tolentino Mendonça, um especialista em estudos bíblicos que vem publicando com sucesso em Portugal, artigos e livros sobre uma visão contemporânea das relações entre o cristianismo e a cultura. O livro foi editado em 2014 pela Paulinas Editora, em Portugal.
Estava em Portugal e como fazia diariamente lia os principais jornais, é essa mania de professor, de jornalista que, mesmo aposentado, busca informações dos fatos locais e do mundo. Quando li no jornal “PÚBLICO”, do dia 6 de outubro de 2014, uma entrevista com o escritor José Tolentino Mendonça, sobre essa nova visão da religião, da igreja pela fé mística, fiquei muito impressionado e interessado em conhecer melhor o pensamento do autor do livro, A Mística do Instante: o tempo e a promessa.
Não tive dúvida saí de casa só com a intenção de comprar o livro e como estava em Fátima foi muito fácil, logo na primeira livraria encontrei e para não perder tempo fui até uma tasca, ali bem próximo ao Santuário, sentei pedi uma taça de vinho da casa, azeitonas, queijos e pão e comecei a ler, parece que tinha adivinhado foi uma combinação perfeita degustar o livro acompanhado com vinho, queijo, azeitona e pão. O livro é uma caminhada, um itinerário teológico sobre os sentidos naturais e os sentidos espirituais, o tato, o paladar, o olfato, a audição e a visão e a importância de cada um desses sentidos para uma reflexão do texto bíblico, até porque, segundo o autor, não há os sentidos espirituais, de um lado, contraposto aos sentidos naturais, de outro.
A leitura do livro é agradável, nos leva a compreender melhor os sabores da vida cotidiana e as nossas relações com o Evangelho. E logo no início o autor chama atenção para duas questões, a primeira quando diz: Para alcançar o divino a alma tem de mergulhar na própria alma. A alma que não é apenas a parte interior do corpo, mas que está ligada na maneira de ver, de pegar, de cheirar, no diálogo com os outros e nos sabores que aproximam Deus do seu povo pelas diferentes instâncias místicas da fé e das experiências do mundo; a segunda, quando ele diz: O divino é o mistério. A via para ele passa por desligar-se do mundo, do mundo habitual e quotidiano, e reentrar no espaço interior, esse sim, a morada que guarda Deus religiosamente. A referência não é de uma religião, de uma igreja somente filosófica, mas de uma religião e de uma igreja construídas por andarilhos, por romeiros, por viajantes e mestres mais próximos da vida cotidiana do homem comum, assim como é desejada pelo papa Francisco.
São questões simples, mas que nos levam a pensar o nosso interior como sujeito autêntico e socialmente coletivo de compartilhamento com a nossa fé. O livro é uma caminhada, página por página, de reflexão sobre a vida cada vez mais artificial, do afastamento do homem da natureza, da fadiga exigida pela sociedade moderna, mas também das possíveis saídas para uma vida melhor comunitariamente no espaço e no tempo da religião e da cultura. Ou seja, Um dos aspectos centrais da mística do instante é a conversão da nossa relação com o tempo. Como construiremos o presente e o futuro? O nosso espaço e o nosso tempo vivido? Que resposta podemos dar a tudo isso? Vivemos, uma crise da competição, do consumo e do endividamento, da separação do amor do conhecimento, da incompreensão e da intolerância com o outro. Em,  A Mística do Instante: o tempo e a promessa, com certeza vamos encontrar as respostas para algumas dessas questões.
Todos os sentidos têm importância significativa no itinerário teológico desenvolvido, mas foi o capitulo Buscar o infinito sabor que mais me chamou atenção quando o autor faz uma caminhada de diferentes sabores que nos levam a conhecer com maior profundidade o texto bíblico, melhor dizendo, a revelação bíblica também se apreende comendo. E a sua leitura constitui uma minuciosa iniciação aos sabores: ao recôndito sabor do leite, e do mel, ao sabor do trigo tostado, ao motivo trânsfuga dos ázimos, ao riso iluminado que o manjar pascal desperta.
Vamos conhecer em Sabor das origens a comida tradicional de uma localidade de uma família; em a Bíblia contada pelos sabores o autor fala da nossa relação com o texto sagrado; mais adiante sobre o Pão de mil sabores; dos Sabores de Deus; Um novo protocolo em redor da mesa;  Bom domingo e bom almoço; comenta a importância  da frase com que o papa Francisco se despede dos fiéis reunidos para Angelus em cada domingo na Praça São Pedro no Vaticano; Quando não comer é uma oração; aqui José Tolentino relata os significados do jejum e assim vai interpretando a Bíblia e os diferentes sabores no contexto bíblico e os seus ensinamentos para as práticas da vida cotidiana.
A leitura do livro nos leva a refletir o texto bíblico no tempo e espaço da mesa onde as refeições são atos performativos não só de comida, mas também das palavras e como local de conversação. As celebrações religiosas na cultura ocidental quase sempre terminam com festa na grande mesa, onde se confraternizam todos inclusive os publicanos e pecadores.  Assim como diz o autor: Literalmente, a Bíblia é para comer. É odorosa, recôndita, vasta como a mesa celeste, íntima como a mesa materna, grata ao paladar, engenhosa, profusa, profícua.

O tema do livro não é gastronomia é religião mesmo, mas é uma leitura cheia de sabores para melhor degustarmos a compreensão da fé mística no século XXI. Boa leitura.