terça-feira, 21 de maio de 2024

João Paulo II: de ativista midiático a Santo milagreiro na devoção da piedade popular

 Osvaldo Meira Trigueiro

(Fotos do acervo pessoal)

Professor Associado aposentado da UFPB. Jornalista Profissional. Membro: Intercom, Rede Folkcom, Comissão Nacional de Folclore, Comissão Paraibana de Folclore/Brasil; Centro de Investigação Professor Doutor Joaquim Veríssimo Serrão/Portugal.



Introdução

Este artigo tem como objetivo divulgar, parcialmente, resultados de uma pesquisa empírica em desenvolvimento, no Santuário de Fátima em Portugal, sobre os ex-votos depositados no grande tocheiro ao lado da Capelinha das Aparições e no monumento ao Papa João Paulo II. Nessa primeira etapa o destaque é para a devoção da piedade popular dos peregrinos de diferentes partes do mundo, que pagam promessas depositando os ex-votos em agradecimento por graças alcançadas com a intercessão do Santo Papa.  

O ex-voto é o pagamento de promessa que faz o devoto a algum santo ou santa em agradecimento de uma graça alcançada por cura de graves enfermidades, pela realização de um bom casamento, por deixar de beber, por passar no concurso público, a conquista de emprego, da casa própria, aquisição de carro, de uma moto, por sair com vida de graves acidentes de trânsito ou de trabalho e de tantas outras conquistas de bens de consumo. O ex-voto é o cumprimento de um contrato de pagamento de promessa entre o devoto e o sagrado por uma graça alcançada. Portanto, o ex-voto é uma negociação contratual entre o devoto e o santo ou santa de sua fé. Albino Lapa, assim define o ex-voto.

Ele é verdadeiramente, sem atavios, o testemunho material, dum grito aflitivo, expedido das profundezas da alma e do coração que foi ouvido na hora própria, em prece recolhida, pela salvação dum ente querido ou de si próprio, num naufrágio, numa guerra, num cativeiro, num mau encontro, etc. – perigos em que angústia, o sofrimento ou a morte estiveram em causa (LAPA, 1967, p. 1).

Também é necessário considerar os seus valores antropológicos, etnográficos, estéticos, como manifestação folclórica e como um veículo de comunicação popular. A prática de ofertar objetos às divindades é uma herança dos povos pagãos vinculada aos cultos naturalistas, principalmente nas mudanças das estações.  Sabe-se que os povos do Mediterrâneo há 3.000 anos A.C. já ofertavam as divindades aninais, troféus conquistados nas guerras por cada vitória. Há vários registros que narram as histórias de soldados que depois de ganhar as batalhas dirigiam-se em cortejos aos altares dos templos para depositar as suas armas como forma de ex-voto em agradecimento por conseguir voltar com vida depois de longas guerras. Essas práticas votivas ao longo dos anos foram incorporadas ao cristianismo que agregam novos significados relacionados aos acontecimentos atuais. Neste ensaio o foco principal são os ex-votos antropomórficos como representações simbólicas do corpo humano inteiro ou parte, que são depositados no monumento a João Paulo II, em agradecimento por sua intercessão pela cura de graves enfermidades (SILVA, 1981).


A aproximação com Fátima

 

Fui pela primeira vez ao Santuário de Fátima em 1986 e são dezenas de visitas nesses quase 40 anos. Rosinha, minha parceira de vida há 45 anos, é do Vilar dos Prazeres uma pequena povoação portuguesa do Concelho de Ourém, fica certa de 14 quilômetros da cidade de Fátima e a sua família tem uma forte ligação com o Santuário de Nossa Senhora do Rosário de Fátima.

São várias viagens a Portugal, são idas ao Santuário em diferentes estações do ano, principalmente nos dias 13 de cada mês, de maio a outubro, datas das grandes peregrinações, dos importantes acontecimentos no recinto do Santuário e na cidade de Fátima. Não é fácil separar as duas coisas, ora como católico visitante frequentador do Santuário, ora como investigador, mas sempre com a preocupação de manter distanciamento, uma certa neutralidade, entre as observações empíricas para o desenvolvimento da pesquisa sobre os ex-votos como veículo de comunicação popular e a do católico que vai ao Santuário participar das celebrações religiosas com os familiares. Fátima, em Portugal, é considerado um dos maiores Santuários Marianos do Mundo visitado por milhares de peregrinos e turistas de todos os continentes.  

 

João Paulo II: o santo da devoção popular

 

O artigo tem como objetivo mostrar com registros fotográficos os peregrinos que rezam e ofertam ao Santo Papa João Paulo II suas representações simbólicas de pagamento de promessas através dos ex-votos depositados no monumento localizado, estrategicamente próximo à Basílica da Santíssima Trindade e da Cruz Alta. O monumento fica numa das principais entradas de acesso ao recinto do Santuário, por onde passa grande número de pessoas. Com a instalação da estátua do Santo Papa o recinto do Santuário ganhou mais um espaço de orações, de pagamento de promessas e como consequência maior concentração de peregrinos e turistas no entorno da estátua. Nos últimos anos observa-se que um dos lugares mais frequentado no Santuário é a estátua de bronze de João Paulo II, com 3,5 metros de altura de autoria do polonês Czeslaw Dzwiga e inaugurada em outubro de 2007 dois anos depois de sua morte em 2005. Inúmeros peregrinos pagam promessas, depositam ex-votos na base do monumento. Ao depositar o ex-voto no lugar sagrado o peregrino cumpre o compromisso contratual de agradecimento de sua promessa considerada como paga, do desejo alcançado, do pedido da súplica atendida com a intercessão de um santo ou uma santa. O ex-voto é o anúncio do milagre para conhecimento de quem visita os lugares sagrados de romarias. Ou seja, é o desejo do devoto divulgar a graça alcançada, tornar público o pagamento da promessa e transmitir credibilidade com o santo ou santa da sua devoção (TRIGUEIRO, 2006). Quanto mais ex-votos depositados para determinado santo ou santa, maior é a demonstração de graças alcançadas e a fama de milagreiro ou milagreira circula rapidamente nas redes de comunicação popular/alternativa operadas por peregrinos e turistas (BENJAMIM, 2002). Não é mero acaso a procura ao monumento do Papa João Paulo II em Fátima, sua fama de milagreiro espalha-se por várias partes do mundo. No Brasil o “Papa de Fátima” o “Papa Carioca” o “Papa do Povo” o “Papa dos Jovens” o “Papa do Mundo” está entre os santos da devoção da piedade popular. No Santuário de Nosso Senhor do Bonfim na Bahia (BA), no Santuário de Nossa Senhora da Penha em João Pessoa (PB), em tantos outros lugares de romarias encontra-se fotos do Santo Papa na sala dos milagres em agradecimento por graças alcançadas. No Nordeste brasileiro a devoção a João Paulo II é representada nos diferentes lugares de peregrinações com fotos e cartas depositadas nas salas dos milagres. João Paulo II, tem a sua história de vida e morte narrada pelos poetas populares brasileiros em mais de uma dezena de folhetos de cordéis publicados (MELO, 1982; SOUSA, 1984). É desse santo contemporâneo, que morreu em 2005, beatificado pelo seu sucessor Papa Bento XVI em 2011 e em 2014 João Paulo II é canonizado pelo Papa Francisco. Desta forma, este ensaio fotográfico pretende deixar documentada a devoção a João Paulo II no Santuário de Fátima, que tem na sua estátua um local de acolhimento de peregrinos que rezam e pagam promessas.  

Durante os últimos dias, foram muitos os gestos dos peregrinos no Santuário de Fátima junto do monumento a João Paulo II, sinais da devoção ao Papa que o seu sucessor Bento XVI beatifica amanhã, 1 de Maio. Um dos locais centrais desta devoção tem sido o monumento a João Paulo II, inaugurado no adro da Igreja da Santíssima Trindade em Outubro de 2007. Flores, velas, acenos, sorrisos e lágrimas têm sido os sinais de gratidão e de amor manifestados. Em comunhão com os sentimentos dos peregrinos, o Santuário de Fátima procedeu a intervenções naquele local, de forma a assinalar a beatificação daquele que é conhecido como “o Papa de Fátima”. Procurando manter um registo de grande simplicidade, foram colocados junto da escultura uma floreira e um tocheiro. Esta estátua, situada a nordeste da nova igreja, é da autoria do polaco Czeslaw Dzwigaj. É de bronze e mede 3,5 metros de altura. Na base tem inscritas as palavras de João Paulo II, proferidas em Fátima em Maio de 1982: “Vai para a Santíssima Trindade este meu pensamento adorador, explicitado nesta terra abençoada de Fátima: Bendito seja Deus, rico em misericórdia, pelo grande amor com que nos amou!” (FÁTIMA, 30/04/2011).

 

João Paulo II, foi eficaz na resolução e mediação de conflitos religiosos e políticos, reafirmando a autoridade papal no contexto mundial, foi polêmico quando tomou decisões que desagradou determinados segmentos progressistas da igreja católica, principalmente os praticantes da Teologia da Libertação. Mesmo assim, com o seu carisma, conquistou o seu espaço como líder religioso e aproximou a igreja aos fiéis devotos do catolicismo popular. João Paulo II foi um Papa polêmico, conservador com relação a igreja e moderno com relação a sociedade midiatizada, participou de importantes transformações políticas e religiosas, que marcaram o curso da história contemporânea na era do mundo globalizado pelos meios de comunicação e da informação. Portando, João Paulo II foi um ativista midiático que operou diferentes canais de comunicação como estratégia de aproximar a igreja, cada vez mais, do povo católico.

 

João Paulo II: O ativista midiático


Com o objetivo de obter êxito nas suas ações durante as viagens pastorais pelo mundo, o Papa João Paulo II, apropriava-se das potencialidades da grande mídia, dos canais de comunicação alternativa/popular e usou, de forma eficaz, a internet no período inicial da sua expansão como sistema de comunicação. Nos diversos percursos pelo mundo João Paulo II saiu da Itália cerca de 104 vezes ao estrangeiro o equivalente a mais de 500 dias fora do Vaticano, visitou cerca de 130 países e fez mais de 140 viagens pelo interior da Itália. No Brasil esteve por três vezes, em 1980, 1991 e 1997 e por onde passava levou milhares de pessoas às ruas.

Ao Santuário de Fátima foi três vezes, 1982, 1991 e 2000, nas duas primeiras como peregrino para agradecer a intercessão de Nossa Senhora do Rosário de Fátima por salvar a sua vida no atentando de 13 de maio de 1981 na Praça de São Pedro, no Vaticano. Viajou mais de um milhão e 300 mil quilômetros que dariam aproximadamente 29 voltas à terra e percorrer três vezes a distância da terra a lua (CUNHA, p. 69, s.d.). João Paulo II teve um longo papado, de 1978 a 2005, participou das grandes mudanças socioculturais, políticas, dos avanços das tecnologias da comunicação e da informação. Ouviu vários povos, dialogou com representantes de diferentes religiões, como muçulmanos, hindus, ortodoxos, judeus e tantas outras religiões.  Foi um Papa que atuou como ativista midiático que soube usar a mídia operando estratégias que tornariam suas viagens acontecimentos midiáticos. Foi o primeiro papa a se comunicar pelas redes sociais ao inaugurar o site da Santa Sé em 30 de março de 1997 e em 2001 enviando o primeiro e-mail oficial para todos os bispos nas diferentes partes do mundo (SARDELOTTO, 2017, p. 25).  João Paulo II demonstrava humildade ao beijar o chão quando de sua chegada em terras estrangeiras, a capacidade de inventar bordões visuais, usar o humor para arrancar sorrisos do grande público e muitas vezes “fugindo” dos protocolos do Vaticano. Era o Papa que falava para o povo (TRIGUEIRO, 2008, p. 139-162). João Paulo II foi um papa da sociedade do espetáculo (DEBORD, 1997), um pároco do mundo, soube tirar partido de todos os meios de comunicação social para aproximar a igreja católica dos diferentes povos (PUNTEL, 2019). Assim João Paulo II foi respeitado pelas lideranças mundiais, das diferentes tendencias ideológicas e amado pela maioria do povo católico. 

 A pesquisa empírica no recinto do Santuário e na cidade de Fátima

São anos de pesquisas empíricas, são vários momentos de observações e análises em espaços/tempos diferentes das celebrações religiosas, de outros acontecimentos não religiosos no Santuário e na cidade de Fátima. Não é só o recinto do Santuário que possibilita melhores observações e interpretações das conversas entre os peregrinos, turistas e os habitantes locais. É importante participar, ouvir as conversas nos lugares onde circulam as interações de sociabilidades ativas nas redes de comunicação cotidianas (MARTINHO-BABERO, 1997) e nas redes da folkcomunicação (BELTRÃO, 1980). É nesses lugares de sociabilidades, de interações nas redes de comunicação, principalmente operadas por peregrinos, que contam suas histórias de graças alcançadas, a devoção a Nossa Senhora de Fátima e ao Santo Papa João Paulo II. A circulação das conversas entre peregrinos, fora do recinto do Santuário, auxilia compreender o “tamanho” da fé dos que vão a Fátima para rezar e pagar promessas. São as histórias das curas de enfermidades, por terem saído com vida de graves acidentes, por alcançarem os diferentes desejos, são as mediações dialógicas de interações através das orações, da publicização das graças alcançadas em cada ex-voto depositado no grande tocheiro ao lado da Capelinha das Aparições e no monumento ao Santo Papa João Paulo II. São entrevistas, testemunhos e as conversas entre os conversadores nos diferentes recintos do Santuário e da cidade de Fátima. São conversas que se espalham, principalmente de “boca em boca” nos restaurantes, nos bares, nos cafés, nas lojas de venda de artigos religiosos e em tantos outros lugares. Melhor dizendo, ouvindo, participando dos diálogos, das conversas “jogadas fora” e sem maiores formalidades (TARDE, 1992).

Na pesquisa empírica o trabalho de campo é imprescindível para que o investigador possa compreender, na medida do possível, as relações dos diferentes fenômenos sociais observados, é uma busca persistente para encontrar os melhores caminhos metodológicos e sempre com o cuidado para não cair na vala comum. Nos últimos cinco anos, 2018, 2019, 2022, 2023 e início de 2024 concentrei a pesquisa empírica nas observações e documentação fotográfica dos peregrinos que rezavam e depositavam os ex-votos ao pé da estátua do Santo Papa. No desenvolvimento do estudo empírico o uso da fotografia como ferramenta de pesquisa de campo é de fundamental importância no registro de informações, possibilita documentar e compreender os locais das conversações entre peregrinos, turistas e moradores locais. Possibilita melhor observar as interações de sociabilidades que circulam no campo do senso comum, como lugares de produções dos saberes populares onde, também, se aprende e ensina as práticas da religiosidade da piedade popular. A fotografia como documentação das observações flagradas de um determinado acontecimento, em um determinado tempo, dá suporte para uma melhor análise e interpretação dos dados quantitativos e qualitativos coletados no instante dos fatos narrados e da encenação performática do pagamento de promessas. Aqui, a fotografia compreendida como registro auxiliar do fato, a representação do acontecimento, das experiências culturais e religiosas. O monumento a João Paulo II, a cada ano que passa vem atraindo maiores números de peregrinos que pagam suas promessas e depositam ex-votos de agradecimento pela graça alcançada, o que justifica o seu reconhecimento como milagreiro, como santo popular no Brasil e em Portugal. Ou seja, João Paulo II o “Papa do Povo,” o “Papa dos Jovens” o “Papa de Fátima,” o “Papa de Maria”, o “Papa Carioca”.

Fotos 01 e 02: Fátima/Portugal, um dos maiores Santuários Marianos do Mundo/Altar do Mundo






Fotos 03, 04 e 05: Queima das velas no grande Tocheiro ao lado da Capelinha das Aparições, lugar de pagamento de promessas
 

 


 Fotos 06 e 07: Ex-votos, peregrinos pagam promessas






Fotos 08 e 09: Monumento ao Santo Papa João Paulo II, 
estrategicamente próximo à Basílica da Santíssima Trindade e da Cruz Alta



Fotos 10 e 11: Sala dos milagres/Santuário Senhor do Bonfim, Salvador-BA/Brasil



Fotos 12 e 13: Sala dos milagres, Santuário Nossa Senhora da Penha/João Pessoa-PB/Brasil





Fotos 14,15, 16, 17e 18: Monumento ao Santo Papa, lugar de pagamento de promessas, onde são depositados velas, flores e ex-votos antropomórficos


Foto 19: Aviso aos pagadores de promessas junto ao monumento do Santo Papa João Paulo II





Fotos 20, 21, 22 e 23: Peregrinos rezam e pagam promessas com a intercessão do Santo Papa João Paulo II







Fotos 24, 25, 26, 27 e 28: Monumento do Santo Papa, mais um lugar de oração e pagamento de promessas no Santuário de Fátima/Portugal






Fotos 29, 30 e 31: Ex-votos depositados na estátua de S. João Paulo II em agradecimento por graça alcançada com a sua intercessão






Fotos 32, 33, 34 e 35 : Monumento ao Santo Papa e loja de venda de promessas e artigos religiosos


Referências

BELTRÃO, Luiz. Folkcomunicação: a comunicação dos marginalizados. São Paulo: Cortez, 1980.
BENJAMIN, Roberto. Devoções populares não-canônicas na América Latina: uma proposta de pesquisa. In: VI Congresso Latinoamericano de Ciencias de la Comunicación – ALAIC, 2002.
CUNHA, Secundino. A vida santa de João Paulo II. Portugal: Presselivre, Imprensa Livra AS, s.d.
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. 
FÁTIMA, Santuário. Estátua de João Paulo II acolhe a atenção dos peregrinos. Disponível em: < https://www.fatima.pt/pt/news/estatua-joao-paulo-ii-acolhe-atencao-peregrinos>. Acesso em 30 de nov. 2023.
MARTÍN-BABERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: UFJR, 1998. 
MELO, Veríssimo. A visita do Papa ao Brasil: Através da literatura de cordel. Natal (RN): Universidade Federal do Rio Grande do Norte/UFRN, 1982.
PUNTEL, Joana T. Comunicação: diálogo dos saberes na cultura midiática. São Paulo: Paulinas, 2010. 
SILVA, Maria Augusta Machado da. Ex-votos e orantes no Brasil: leitura museológica. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional, 1981. 
TARDE, Gabriel. A opinião e as massas. São Paulo: Martins Fontes, 1992. 
TRIGUEIRO, Osvaldo Meira. Folkcomunicação e ativismo midiático. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 208.
TRIGUEIRO, Osvaldo Meira. O ex-voto como veículo de comunicação popular. In: Folkcomunicação na área global (org.). SCHMIDT, Cristina. São Paulo: Ductor, 2006.
SARDELOTTE, Moisés. E o verbo se fez rede: religiosidade em construção no ambiente digital. São Paulo: Paulinas, 2017.
LAPA, Albino. Livro de ex-votos portugueses. Lisboa: 1967.



sexta-feira, 3 de maio de 2024

Capela de Santo Antônio do Pobre Diabo

 Texto: Osvaldo Meira Trigueiro
Fotos: Rosinha Trigueiro 

Mais uma vez estivemos em Manaus-AM para visitar os familiares e, como sempre fazemos, vamos ao centro da cidade para um passeio turístico, especialmente, ao Mercado Municipal Adolpho Lisboa. O mercado é um lugar agradável para ver e comprar coisas do artesanato local, tem vários restaurantes com comidas típicas como o famoso “Tambaqui de Banda” o “Filé de Pirarucu” temperado com pimenta de “Murupi” e molho de “Tucupi”. 

Mas, agora quero falar sobre um outro molho apimentando com boa história contada por Nathan Nunes de Oliveira, um motorista de taxi que nos levou ao centro da cidade. No caminho ele foi narrando com riqueza de detalhes curiosidades de cada localidade por onde passávamos. Antes de chegar ao mercado passamos por um cruzamento de trânsito complicado com grande movimentação de carros e motos, popularmente conhecido como “Faixa de Gaza” e Nathan dizia que durante o dia se pode passar sem problema por ali, mas de noite é muito perigoso.

Já chegando ao nosso destino ele perguntou se a gente conhecia a “Capela do Pobre Diabo”. Respondi que não e que tinha interesse em conhecer. Desviamos a rota e no novo percurso Nathan foi narrando os acontecimentos que deram origem ao nome da “Capela de Santo Antônio do Pobre Diabo”, que fica no bairro da Cachoeirinha e próximo do Hospital Militar de Área de Manaus.  São várias versões, onde misturam-se lendas e veracidade e Nathan foi narrando de forma resumida as diferentes histórias da origem da capela. 

O fato é que a capela existe, foi fundada em 1897, é tombada como Patrimônio Histórico do Estado do Amazonas pela Lei Ordinária nº 8, de 28 de junho de 1965 (D.O.E., 30/6/1965), ficando determinada como “Capela de Santo Antônio do Pobre Diabo”. Em 13 de junho de 1901, dia de Santo Antônio, Dom José Lourenço da Casto Aguiar, Bispo Diocesano de Manaus abençoou a capela.  Nessa data a capela é visitada por devotos que vão rezar e pagar promessas ao santo popular casamenteiro e, como no seu interior só cabem cerca de 20 pessoas, a maioria dos romeiros fica no lado de fora. A capela só abre em ocasiões especiais para visitação agendada e nos festejos de Santo Antônio.      

Uma das versões, mais prováveis, é a história de Antônio José Costa um comerciante português e a sua mulher Cordolina Rosa, ambos devotos de Santo Antônio, que moravam no bairro da Cachoeirinha, que construíram uma capelinha em agradecimento por uma graça alcançada, com a intercessão de Santo Antônio, pela cura de uma grave doença que o comerciante teve.  Entre as várias versões veja essa que transcrevo:  


No bairro Cachoeirinha morava um português com o nome de Antônio José da Costa, tinha um estabelecimento comercial na localidade, não gostava de vender fiado e se dizia um pobre comerciante. Na frente do seu comércio o português colou um cartaz com uma figura de um pedinte e escreveu “pobre diabo”. Por esse motivo os moradores do bairro passaram a chamar Antônio José da Costa de “Pobre Diabo”. Um dia ficou muito doente e sua esposa, Cordolina Rosa, muito aflita com a doença do marido, fez uma promessa a Santo Antônio que construiria uma capelinha se ele ficasse bom. Antônio ficou curado, dona Cordolina mandou construir a capela em agradecimento a Santo Antônio e logo passou a ser conhecida como “Igreja do Pobre Diabo”

(Fonte: https://www.facebook.com/BoscoSaraivaAM/videos/em-1897-uma-capela-foi-inaugurada-no-bairro-cachoeirinha-recebendo-o-nome-de-cap/315393270540690/ ).

Nathan, é manauara, há mais de 20 anos trabalha como taxista e contou que já ouviu muitas histórias curiosas sobre a Amazônia, lê muito sobre os principais acontecimentos na cidade de Manaus e gosta de repassar para os turistas e eventuais passageiros que andam no seu taxi.  

A expressão “Pobre Diabo” tem diferentes conotações, aqui nesta história o sentido é de um “pobre coitado” - “pobre miserável” – “zé ninguém” e que implora pela piedade dos outros. Uma expressão usada em Portugal, quase sempre, para definir uma pessoa “sem eira nem beira”.  Aqui no Brasil a expressão “Pobre Diabo”, vamos encontrar em romances, crônicas, na literatura popular e no folclore.  Em determinada época era bastante usada nos diálogos cotidianos quando se referia a uma pessoa necessitada de ajuda, uma pessoa sofredora, mas atualmente a expressão “Pobre Diabo” tem sido pouco usada. Portanto, a “Capela de Santo Antônio do “Pobre Diabo” é uma construção votiva edificada por Cordolina Rosa como pagamento de uma promessa, com a intercessão de Santo Antônio, pela cura de uma grave doença que teve seu marido Antônio José Costa. 

Essa é uma das várias histórias da origem da “Capela de Santo Antônio do Pobre Diabo” e quem tem outra versão que conte mais. 


Referência

Portal Amazônia - FRAM

https://portalamazonia.com/estados/amazonas/conheca-a-capela-do-pobre-diabo-a-igreja-tombada-como-patrimonio-historico-do-amazonas 


sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

Folclore, Turismo e Mídia: tradição e modernidade


XVIII CONGRESSO BRASILEIRO DE FOLCLORE

Tradições, Ritos e Cantos Brasileiros

25 a 28 de outubro de 2023

Trindade – GO

 

Tema: Folclore, Turismo e Mídia: tradição e modernidade[1]


Prof. Dr. Osvaldo Meira Trigueiro[*]

E-mail: meiratrigueiro@gmail.com

https://meiratrigueiro.blogspot.com/



Introdução

 

“O Brasil necessita de uma verdadeira política cultural para o Folclore e os seus demais bens imateriais, caso deseje preservar sua identidade nacional”

Roberto Benjamim (2004).


Quero agradecer o convite do presidente da Comissão Nacional de Folclore, professor Severino Vicente, para participar do XVIII Congresso Brasileiro de Folclore, a Izabel Signoreli, presidente da Comissão Goiana de Folclore, aos demais organizadores do congresso em Goiás e especialmente na cidade de Trindade. Aos membros desta mesa, professores Allan Rodrigues, presidente da Comissão Amazonenses de Folclore, e Hélio Pinheiro, presidente do Conselho Municipal de Turismo de Trindade.  


A sociedade midiatizada nos obriga a estudar as culturas popular/folclóricas de uma outra forma, com um olhar voltado para os movimentos das dinâmicas consumistas dos bens culturais tradicionais para atender as demandas dos negócios do mundo globalizado, nos diferentes territórios envolvidos pelos interesses políticos, econômicos, turísticos e dos espetáculos. Assim como no processo inverso: compreender como os fazedores, os portadores das culturas populares/folclore apropriam-se para o uso dos conteúdos midiáticos nas práticas cotidianas e nas suas festas tradicionais.  

Não podemos ignorar que no mundo atual as manifestações culturais populares/folclóricas são produtos de consumo cada vez mais agregadas de valores do mundo globalizado e, consequentemente, de maiores interesses para as demandas do mercado dos acontecimentos midiáticos e do turismo. São essas trocas, essas hibridizações culturais que atualizam e transformam as festas tradicionais populares/folclore em importantes acontecimentos religiosos/midiáticos e com forte influência do turismo. E nesse jogo “não há nem anjos e nem demônios, não há vitimizados e nem autores individualizados desta suposta vitimização” (PESSOA, 2018, p. 45). Na contemporaneidade o que mais importa para os estudos da folkcomunicação é compreender os diferentes processos de transformação por que passam e, com maior rapidez, as manifestações culturais tradicionais em tempo da globalização pelos meios de comunicação e suas veiculações nas diferentes plataformas digitais.    

 

Turismo Religioso

 

Turismo não é propriamente a minha área de estudo, de vez em quando entro nesse campo para melhor compreender as transformações e as ressignificações que ocorrem nas festas populares tradicionais na contemporaneidade, especialmente as peregrinações. Mas não posso deixar de considerar os 300 milhões de pessoas que viajam pelo mundo, anualmente, aos principais lugares de peregrinações ou de visitações turísticas como as Igrejas, Mesquitas, Sinagogas e a tantos outros santuários canônicos e não canônicos (Fonte: OMT – Organização Mundial de Turismo), não posso deixar de reconhecer a importância que o turismo religioso tem na economia, na cultura e na política mundial.  

Estou em constante busca para compreender as transformações e ressignificações das festas e peregrinações que vêm desde a Idade Média e chegam à Nova Idade ou Idade da Mídia. Aqui tomando emprestado o conceito de Umberto Eco (1984) para definir o que é a Nova Idade Média ou ainda para afirmar que estamos vivendo na Idade da Mídia (BERGE, 2007, p. 26). Tento compreender os novos rumos que as festas religiosas têm tomado, no sentido de atender as demandas de consumo da sociedade globalizada, observando os caminhos dos peregrinos e turistas nos lugares sagrados de pagamento de promessas, nas datas agendadas para festejar os santos e santas de suas devoções. As festas dos padroeiros e padroeiras. O meu campo de estudo e de pesquisa é nas ciências da comunicação, nas áreas específicas da recepção e mediações, da comunicação popular/alternativa e nos processos das atualizações culturais tradicionais operados pelos ativistas midiáticos da rede da folkcomunicação para atender as demandas dos interesses da sociedade contemporânea (Martin-Barbero (1997), Luiz Beltrão (1980), Roger Silverstone (1994), David Morley (1996), Osvaldo Trigueiro (2008) e dos estudos desenvolvidos pelos colegas pesquisadores da Rede Folkcom.   

Na folkcomunicação se estuda e pesquisa os canais de comunicação vinculados direta e indiretamente ao folclore e os conteúdos veiculados nos seus canais próprios (cordel, cantorias, danças, músicas etc.). E na sociedade atual os estudos da folkcomunicação também estão voltados para os protagonismos dos ativistas midiáticos nos processos de mediações, entre o local e o global, realizados nos diferentes tempos/espaços que constituem a vida cotidiana e as festas tradicionais, como as peregrinações e o turismo religioso (TRIGUEIRO, 2008, p. 47). Os ativistas midiáticos da rede da folkcomunicação não se satisfazem apenas em estar atualizados com os meios de comunicação midiáticos, vão mais além, apropriam, incorporam, readaptam, reconfiguram as suas produções culturais para as principais plataformas digitais ofertadas na internet e ganham o mundo divulgando as suas tradições culturais.  

Uma das minhas referências de estudo e pesquisa são as promessas ou ex-votos como importantes fontes de comunicação popular, que estão em constantes processos de transformação para atender as demandas das novas práticas religiosas e peregrinações. 

O ex-voto como veículo jornalístico, como fonte midiática que narra fatos, acontecimentos e que conta histórias do povo de fé (Luiz Beltrão, Câmara Cascudo, José Marques de Melo, Roberto Benjamim, Jorge Gonzáles, Júnia Martins e Osvaldo Trigueiro). É nesta perspectiva que venho investigando as festas populares tradicionais, as peregrinações, o turismo religioso e os seus diferentes processos de transformações na sociedade contemporânea.   

Não se trata de um estudo sobre religião ou de teologia em si. Mas, sobre a religiosidade popular, sobre a piedade praticada no catolicismo do povo e os novos sentidos de sociabilidades “afetados” pelos meios de comunicação, como o rádio, a televisão e as redes sociais, na reconfiguração das festas tradicionais e dos lugares de peregrinações, observando as festas populares tradicionais com o objetivo de compreender os processos de interações, de mediatizações e de midiatizações (SODRÉ, 2002), das práticas da religiosidade popular na Idade da Midia.  As estratégias de comunicação operadas pelos pagadores de promessas ou dos turistas visitantes nos lugares sagrados de peregrinações e das festas tradicionais.  

Mediatização, compreendido como processo de comunicação direto do pagador de promessa – do peregrino – com o seu santo ou santa de fé. Melhor dizendo, o agradecimento pela interseção do santo ou da santa pela graça alcançada. E midiatização no emprego das mídias para a publicização do pagamento de suas promessas, manifestadas através da tipologia dos ex-votos midiáticos depositados nas salas dos milagres, publicados nos meios de comunicação de massa ou as promessas virtuais nas redes sociais.   

O Viator na contemporaneidade

Compreender a importância do homo viator na contemporaneidade como peregrino, viajante (JORGE, 2010), como pagador de promessa ou como turista e visitante, ou seja: dos peregrinos e turistas ou ainda dos turistas e peregrinos. Até porque na sociedade contemporânea fica difícil distinguir peregrino do turista e o turista de peregrino. O ser humano é um viajante que desde a antiguidade percorre caminhos para participar das festas, das peregrinações, em determinados lugares e quase sempre em determinadas datas.  É importante dizer que as festas religiosas populares passaram e passam por transformações, mas não significa dizer que o povo deixou ou deixará de organizar, de realizar as suas festas sagradas e profanas. O que modifica são os sistemas de produção, de realização dessas festas e das peregrinações nos diferentes contextos culturais, que na contemporaneidade atendem, também, às demandas da globalização cultural. Na atualidade, é quase impossível desconectar as manifestações tradicionais da cultura popular e o folclore das novas Tecnologias da Comunicação e da Informação (CTIs). Os seus brincantes, os fazedores dessas festas, os portadores patrimoniais das tradições e das manifestações folclóricas, os peregrinos estão, também quase sempre, conectados na internet, pelo Tablet, iPad, Smartphone, no WhatsApp, no YouTube, no Blog, no Facebook e em tantas outras mídias digitais que eles operam para registrar, gravar, transmitir ao vivo os acontecimentos da vida cotidiana, das suas festas e peregrinações. Não ficam mais na dependência exclusiva da mídia tradicional ou de profissionais, quase sempre têm os domínios dos seus próprios canais nas principais plataformas virtuais. Aqui, podemos citar como exemplos a apropriação e o uso do YouTube, do WhatsApp que caíram no gosto dos mestres, das mestras e dos brincantes das culturas populares/folclore para divulgarem os seus saberes tradicionais.

A religiosidade popular, desde a antiguidade, sempre foi alimentada pela criatividade, pela espontaneidade e pelo multiculturalismo (BAUMAN, 2003), dos seus seguidores que, através dos longos anos de peregrinações rumo aos lugares sagrados, contavam as histórias de vida nas feiras, nas procissões, nos pagamentos de promessas e em tantas outras atividades da vida cotidiana, fortemente marcada com a presença da Igreja na Idade Média. Os processos de transformações das festas religiosas da piedade popular são tão antigos quanto a própria expansão do cristianismo na Península Ibérica. Não posso deixar de dizer que as redes tradicionais de comunicação, operadas por diferentes povos nos caminhos das peregrinações, tiveram e continuam tendo grande importância nas ressignificações das tradições religiosas e nos processos de transformações das culturas populares e do folclore ao longo do tempo chegando aos dias atuais.

Nos caminhos medievais para Jerusalém e Santiago de Compostela os peregrinos foram estruturando intensas redes tradicionais de comunicação – as redes mnemônicas – da transmissão oral (ZUMTHOR, 1993). Na contemporaneidade as peregrinações   rumo a esses lugares sagrados continuam como importantes territórios de observações para os estudos das culturas tradicionais/folclóricas e suas transformações. Agora, na nova Idade Média ou na Idade da Mídia, os peregrinos e turistas operam redes de comunicação estruturadas nas diferentes plataformas digitais, conectadas com o mundo globalizado, enviando e recebendo em tempo real informações sobre os roteiros de viagens aos lugares de peregrinações. Melhor dizendo, os peregrinos e turistas narram suas histórias de vigem aos lugares sagrados em tempo real e estão cada vez conectados com o mundo pelas redes sociais.

 Da Idade Média à Idade da Mídia

 Os peregrinos durante séculos, de cidade em cidade, difundiram nas feiras e nas festas, o teatro, o artesanato, as lendas, os romances de cavalarias, os mitos e tantas outras manifestações culturais que estão até hoje no imaginário das tradições populares e do folclore e com as transformações adequadas a cada lugar, narradas pelos seus intérpretes e seus produtores vêm sendo transmitidas da Idade Média e que chegam à Nova Idade Média ou à Idade da Mídia.

Até pouco tempo esses processos de transformações eram quase todos do domínio da igreja e, na atualidade, esse domínio é também compartilhado com as indústrias do entretenimento, das redes de comunicação que realizam acontecimentos midiáticos transmitidos ao vivo nos dias das grandes festas populares tradicionais (DAYAN; KATZ, 1999). Mas, mesmo com toda a influência da mídia e do turismo a cultura popular/folclore continua com fortes marcas e residualidades medievais (PONTES, 2015, p.113), ou com marcas residuais da época antiga (WILLIAMS, 1992, p. 202). Melhor dizendo, é a convivência do antigo com o novo. As batalhas entre cristãos e mouros narradas milenarmente estão, mais do que nunca, vivas e atualizadas nas produções de conteúdos midiáticos (novelas, filmes, seriados, livros etc.), mas resguardam as narrativas, as histórias contadas desde o cristianismo medieval até o cristianismo na sociedade midiatizada. São narrativas, são histórias das diversas manifestações culturais populares/folclóricas representadas pelas batalhas entre mouros e cristãos – encarnado e azul – entre o – bem e o mal – nas danças, nos folguedos, na literatura de cordel, nos contos populares, nas lendas, nos romances de cavalaria, nos pagamentos de promessas, nas expressões artísticas e artesanais que continuam compondo os repertórios do povo brasileiro nas festas sagradas e profanas (BARRETO, 1996).

 Os ex-votos como veículos de comunicação popular

Os ex-votos figurativos, representativos, discursivos, pictóricos e os midiáticos depositados nas salas dos milagres são fontes de comunicação popular, são veículo de informação jornalística e importantes objetos de estudos e pesquisas no campo da folkcomunicação. Assim como as festas e as peregrinações, os ex-votos estão em constantes processos de atualização no contexto da sociedade midiatizada, onde quase tudo pode ser um ex-voto. Agora vivemos importantes momentos das grandes mobilidades de pessoas em grandes distâncias em tempos menores, das grandes invenções tecnológicas, e das rápidas transformações culturais. Mas, ao mesmo tempo, estamos vivendo momentos do crescimento das festas religiosas e profanas, das novas peregrinações e do turismo religioso. Ou seja: do neonomadismo, do neoandarilho, do viator contemporâneo, dos peregrinos turistas ou turistas peregrinos, como sujeitos híbridos culturalmente (MAFFESOLI, 2001, BELTRÃO, 1980, CARVALHO, 2018 e JORGE, 2020, CANCLINI, 1997), que aos milhares  continuam trilhando os caminhos medievais rumo aos lugares sagrados como Jerusalém e Santiago de Compostela ou aos Santuários contemporâneos da Idade da Mídia como Nossa Senhora Aparecida (SP), Pai Eterno (GO), Nazaré(PA), Padre Cicero e São Francisco do Canindé (CE), Fátima em Portugal e não poderia deixar de citar Nossa Senhora da Penha em João Pessoa (PB) e a Cruz da Menina em Patos (PB), assim como tantos outros que são visitados anualmente por peregrinos e turistas de diferentes localidade do mundo.

 Finalizando, gostaria de dizer  

 Viajar em torno da Terra tem aumentado em progressão geométrica com os modernos meios de transporte e de telecomunicações, que aproximam as distâncias em menor tempo, com as facilidades das ofertas das viagens pelas empresas de turismo, a tendência é de crescimento do número de pessoas nos lugares sagrados (JORGE, p. 22). Na atualidade existe até a possibilidade de realizar a viagem virtual para esses lugares sagrados para fazer peregrinação e o turismo religioso sem sair de casa. O surgimento das Igrejas Eletrônicas nas redes de televisão e nas redes sociais disponíveis na internet, possibilitou as práticas das telereligiões e das teleperegrinações. Na Idade da Mídia os peregrinos podem pagar suas promessas depositando os ex-votos digitais nas telesalas dos telemilagres, ou seja: podem pagar virtualmente as suas promessas nos endereços eletrônicos dos principais santuários enviando fotos, mensagens escritas e em audiovisuais pelo WhatsApp ou fazendo depósito por PIX.

Referencias


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[*] Prof. Dr. Associado, aposentado do DECOM/CCTA/UFPB. Membro da INTERCOM/Rede FOLKCOM/Comissão Nacional de Folclore/Comissão Paraibana de Folclore.



[1] Texto apresentado no XVIII Congresso Brasileiro de Folclore