XVIII
CONGRESSO BRASILEIRO DE FOLCLORE
Tradições,
Ritos e Cantos Brasileiros
25
a 28 de outubro de 2023
Trindade
– GO
Tema: Folclore, Turismo e
Mídia: tradição e modernidade[1]
Prof. Dr. Osvaldo Meira Trigueiro[*]
E-mail: meiratrigueiro@gmail.com
https://meiratrigueiro.blogspot.com/
Introdução
“O Brasil necessita de uma verdadeira política
cultural para o Folclore e os seus demais bens imateriais, caso deseje
preservar sua identidade nacional”
Quero agradecer o convite do presidente da Comissão
Nacional de Folclore, professor Severino Vicente, para participar do XVIII
Congresso Brasileiro de Folclore, a Izabel Signoreli, presidente da Comissão
Goiana de Folclore, aos demais organizadores do congresso em Goiás e
especialmente na cidade de Trindade. Aos membros desta mesa, professores Allan
Rodrigues, presidente da Comissão Amazonenses de Folclore, e Hélio Pinheiro,
presidente do Conselho Municipal de Turismo de Trindade.
A sociedade midiatizada nos obriga a estudar as
culturas popular/folclóricas de uma outra forma, com um olhar voltado para os
movimentos das dinâmicas consumistas dos bens culturais tradicionais para
atender as demandas dos negócios do mundo globalizado, nos diferentes
territórios envolvidos pelos interesses políticos, econômicos, turísticos e dos
espetáculos. Assim como no processo inverso: compreender como os fazedores, os
portadores das culturas populares/folclore apropriam-se para o uso dos
conteúdos midiáticos nas práticas cotidianas e nas suas festas tradicionais.
Não podemos ignorar que no mundo atual as
manifestações culturais populares/folclóricas são produtos de consumo cada vez
mais agregadas de valores do mundo globalizado e, consequentemente, de maiores
interesses para as demandas do mercado dos acontecimentos midiáticos e do
turismo. São essas trocas, essas hibridizações culturais que atualizam e
transformam as festas tradicionais populares/folclore em importantes
acontecimentos religiosos/midiáticos e com forte influência do turismo. E nesse
jogo “não há nem anjos e nem demônios, não há vitimizados e nem autores
individualizados desta suposta vitimização” (PESSOA, 2018, p. 45). Na contemporaneidade
o que mais importa para os estudos da folkcomunicação é compreender os
diferentes processos de transformação por que passam e, com maior rapidez, as
manifestações culturais tradicionais em tempo da globalização pelos meios de
comunicação e suas veiculações nas diferentes plataformas digitais.
Turismo Religioso
Turismo não é propriamente a minha área de estudo, de
vez em quando entro nesse campo para melhor compreender as transformações e as
ressignificações que ocorrem nas festas populares tradicionais na contemporaneidade,
especialmente as peregrinações. Mas não posso deixar de considerar os 300
milhões de pessoas que viajam pelo mundo, anualmente, aos principais lugares de
peregrinações ou de visitações turísticas como as Igrejas, Mesquitas, Sinagogas
e a tantos outros santuários canônicos e não canônicos (Fonte: OMT –
Organização Mundial de Turismo), não posso deixar de reconhecer a importância
que o turismo religioso tem na economia, na cultura e na política mundial.
Estou em
constante busca para compreender as transformações e ressignificações das
festas e peregrinações que vêm desde a Idade Média e chegam à Nova Idade ou Idade
da Mídia. Aqui tomando emprestado o conceito de Umberto Eco (1984) para definir
o que é a Nova Idade Média ou ainda para afirmar que estamos vivendo na Idade
da Mídia (BERGE, 2007, p. 26). Tento compreender
os novos rumos que as festas religiosas têm tomado, no sentido de atender as
demandas de consumo da sociedade globalizada, observando os caminhos dos peregrinos
e turistas nos lugares sagrados de pagamento de promessas, nas datas agendadas
para festejar os santos e santas de suas devoções. As festas dos padroeiros e
padroeiras. O meu campo de estudo e de pesquisa é nas ciências da comunicação,
nas áreas específicas da recepção e mediações, da comunicação popular/alternativa
e nos processos das atualizações culturais tradicionais operados pelos
ativistas midiáticos da rede da folkcomunicação para atender as demandas dos
interesses da sociedade contemporânea (Martin-Barbero (1997), Luiz Beltrão
(1980), Roger Silverstone (1994), David Morley (1996), Osvaldo Trigueiro (2008)
e dos estudos desenvolvidos pelos colegas pesquisadores da Rede Folkcom.
Na
folkcomunicação se estuda e pesquisa os canais de comunicação vinculados direta
e indiretamente ao folclore e os conteúdos veiculados nos seus canais próprios
(cordel, cantorias, danças, músicas etc.). E na sociedade atual os estudos da
folkcomunicação também estão voltados para os protagonismos dos ativistas
midiáticos nos processos de mediações, entre o local e o global, realizados nos
diferentes tempos/espaços que constituem a vida cotidiana e as festas
tradicionais, como as peregrinações e o turismo religioso (TRIGUEIRO, 2008, p.
47). Os ativistas midiáticos da rede da folkcomunicação não se satisfazem
apenas em estar atualizados com os meios de comunicação midiáticos, vão mais
além, apropriam, incorporam, readaptam, reconfiguram as suas produções
culturais para as principais plataformas digitais ofertadas na internet e
ganham o mundo divulgando as suas tradições culturais.
Uma das minhas referências de estudo e pesquisa são as promessas ou ex-votos como importantes fontes de comunicação popular, que estão em constantes processos de transformação para atender as demandas das novas práticas religiosas e peregrinações.
O ex-voto como veículo jornalístico, como
fonte midiática que narra fatos, acontecimentos e que conta histórias do povo
de fé (Luiz Beltrão, Câmara Cascudo, José Marques de Melo, Roberto Benjamim, Jorge Gonzáles,
Júnia Martins e Osvaldo Trigueiro). É nesta perspectiva que venho investigando as festas populares tradicionais,
as peregrinações, o turismo religioso e os seus diferentes processos de transformações
na sociedade contemporânea.
Não
se trata de um estudo sobre religião ou de teologia em si. Mas, sobre a religiosidade
popular, sobre a piedade praticada no catolicismo do povo e os novos sentidos
de sociabilidades “afetados” pelos meios de comunicação, como o rádio, a televisão
e as redes sociais, na reconfiguração das festas tradicionais e dos lugares de
peregrinações, observando as festas populares tradicionais com o objetivo de
compreender os processos de interações, de mediatizações e de midiatizações (SODRÉ,
2002), das práticas da religiosidade popular na Idade da Midia. As estratégias de comunicação operadas pelos
pagadores de promessas ou dos turistas visitantes nos lugares sagrados de
peregrinações e das festas tradicionais.
Mediatização,
compreendido como processo de comunicação direto do pagador de promessa – do
peregrino – com o seu santo ou santa de fé. Melhor dizendo, o agradecimento
pela interseção do santo ou da santa pela graça alcançada. E midiatização no
emprego das mídias para a publicização do pagamento de suas promessas, manifestadas
através da tipologia dos ex-votos midiáticos depositados nas salas dos milagres,
publicados nos meios de comunicação de massa ou as promessas virtuais nas redes
sociais.
O
Viator na contemporaneidade
Compreender
a importância do homo viator na contemporaneidade como peregrino, viajante
(JORGE, 2010), como pagador de promessa ou como turista e visitante, ou seja:
dos peregrinos e turistas ou ainda dos turistas e peregrinos. Até porque na
sociedade contemporânea fica difícil distinguir peregrino do turista e o
turista de peregrino. O ser humano é um viajante que desde a antiguidade
percorre caminhos para participar das festas, das peregrinações, em
determinados lugares e quase sempre em determinadas datas. É importante dizer que as festas religiosas
populares passaram e passam por transformações, mas não significa dizer que o
povo deixou ou deixará de organizar, de realizar as suas festas sagradas e
profanas. O que modifica são os sistemas de produção, de realização dessas
festas e das peregrinações nos diferentes contextos culturais, que na contemporaneidade
atendem, também, às demandas da globalização cultural. Na atualidade, é quase
impossível desconectar as manifestações tradicionais da cultura popular e o
folclore das novas Tecnologias da Comunicação e da Informação (CTIs). Os seus
brincantes, os fazedores dessas festas, os portadores patrimoniais das tradições
e das manifestações folclóricas, os peregrinos estão, também quase sempre,
conectados na internet, pelo Tablet, iPad, Smartphone, no WhatsApp, no YouTube,
no Blog, no Facebook e em tantas outras mídias digitais que eles operam para registrar,
gravar, transmitir ao vivo os acontecimentos da vida cotidiana, das suas festas
e peregrinações. Não ficam mais na dependência exclusiva da mídia tradicional
ou de profissionais, quase sempre têm os domínios dos seus próprios canais nas principais
plataformas virtuais. Aqui, podemos citar como exemplos a apropriação e o uso
do YouTube, do WhatsApp que caíram no gosto dos mestres, das mestras e dos brincantes
das culturas populares/folclore para divulgarem os seus saberes tradicionais.
A
religiosidade popular, desde a antiguidade, sempre foi alimentada pela
criatividade, pela espontaneidade e pelo multiculturalismo (BAUMAN, 2003), dos
seus seguidores que, através dos longos anos de peregrinações rumo aos lugares
sagrados, contavam as histórias de vida nas feiras, nas procissões, nos
pagamentos de promessas e em tantas outras atividades da vida cotidiana,
fortemente marcada com a presença da Igreja na Idade Média. Os processos de transformações
das festas religiosas da piedade popular são tão antigos quanto a própria
expansão do cristianismo na Península Ibérica. Não posso deixar de dizer que as
redes tradicionais de comunicação, operadas por diferentes povos nos caminhos
das peregrinações, tiveram e continuam tendo grande importância nas
ressignificações das tradições religiosas e nos processos de transformações das
culturas populares e do folclore ao longo do tempo chegando aos dias atuais.
Nos
caminhos medievais para Jerusalém e Santiago de Compostela os peregrinos foram
estruturando intensas redes tradicionais de comunicação – as redes mnemônicas –
da transmissão oral (ZUMTHOR, 1993). Na contemporaneidade as peregrinações rumo a
esses lugares sagrados continuam como importantes territórios de observações
para os estudos das culturas tradicionais/folclóricas e suas transformações.
Agora, na nova Idade Média ou na Idade da Mídia, os peregrinos e turistas
operam redes de comunicação estruturadas nas diferentes plataformas digitais,
conectadas com o mundo globalizado, enviando e recebendo em tempo real
informações sobre os roteiros de viagens aos lugares de peregrinações. Melhor
dizendo, os peregrinos e turistas narram suas histórias de vigem aos lugares
sagrados em tempo real e estão cada vez conectados com o mundo pelas redes
sociais.
Da Idade Média à Idade da Mídia
Os peregrinos durante séculos, de cidade em cidade, difundiram nas feiras e nas festas, o teatro, o artesanato, as lendas, os romances de cavalarias, os mitos e tantas outras manifestações culturais que estão até hoje no imaginário das tradições populares e do folclore e com as transformações adequadas a cada lugar, narradas pelos seus intérpretes e seus produtores vêm sendo transmitidas da Idade Média e que chegam à Nova Idade Média ou à Idade da Mídia.
Até
pouco tempo esses processos de transformações eram quase todos do domínio da igreja
e, na atualidade, esse domínio é também compartilhado com as indústrias do entretenimento,
das redes de comunicação que realizam acontecimentos midiáticos transmitidos ao
vivo nos dias das grandes festas populares tradicionais (DAYAN; KATZ, 1999). Mas,
mesmo com toda a influência da mídia e do turismo a cultura popular/folclore
continua com fortes marcas e residualidades medievais (PONTES, 2015, p.113), ou com marcas residuais da época antiga (WILLIAMS, 1992, p. 202). Melhor
dizendo, é a convivência do antigo com o novo. As batalhas entre cristãos e
mouros narradas milenarmente estão, mais do que nunca, vivas e atualizadas nas
produções de conteúdos midiáticos (novelas, filmes, seriados, livros etc.), mas
resguardam as narrativas, as histórias contadas desde o cristianismo medieval
até o cristianismo na sociedade midiatizada. São narrativas, são histórias das
diversas manifestações culturais populares/folclóricas representadas pelas
batalhas entre mouros e cristãos –
encarnado e azul – entre o – bem e o
mal – nas danças, nos folguedos, na literatura de cordel, nos contos
populares, nas lendas, nos romances de cavalaria, nos pagamentos de promessas, nas
expressões artísticas e artesanais que continuam compondo os repertórios do
povo brasileiro nas festas sagradas e profanas (BARRETO, 1996).
Os ex-votos como veículos de comunicação popular
Os ex-votos figurativos, representativos, discursivos, pictóricos e os midiáticos depositados nas salas dos milagres são fontes de comunicação popular, são veículo de informação jornalística e importantes objetos de estudos e pesquisas no campo da folkcomunicação. Assim como as festas e as peregrinações, os ex-votos estão em constantes processos de atualização no contexto da sociedade midiatizada, onde quase tudo pode ser um ex-voto. Agora vivemos importantes momentos das grandes mobilidades de pessoas em grandes distâncias em tempos menores, das grandes invenções tecnológicas, e das rápidas transformações culturais. Mas, ao mesmo tempo, estamos vivendo momentos do crescimento das festas religiosas e profanas, das novas peregrinações e do turismo religioso. Ou seja: do neonomadismo, do neoandarilho, do viator contemporâneo, dos peregrinos turistas ou turistas peregrinos, como sujeitos híbridos culturalmente (MAFFESOLI, 2001, BELTRÃO, 1980, CARVALHO, 2018 e JORGE, 2020, CANCLINI, 1997), que aos milhares continuam trilhando os caminhos medievais rumo aos lugares sagrados como Jerusalém e Santiago de Compostela ou aos Santuários contemporâneos da Idade da Mídia como Nossa Senhora Aparecida (SP), Pai Eterno (GO), Nazaré(PA), Padre Cicero e São Francisco do Canindé (CE), Fátima em Portugal e não poderia deixar de citar Nossa Senhora da Penha em João Pessoa (PB) e a Cruz da Menina em Patos (PB), assim como tantos outros que são visitados anualmente por peregrinos e turistas de diferentes localidade do mundo.
Finalizando, gostaria de dizer
Viajar em torno da Terra tem aumentado em progressão geométrica com os modernos meios de transporte e de telecomunicações, que aproximam as distâncias em menor tempo, com as facilidades das ofertas das viagens pelas empresas de turismo, a tendência é de crescimento do número de pessoas nos lugares sagrados (JORGE, p. 22). Na atualidade existe até a possibilidade de realizar a viagem virtual para esses lugares sagrados para fazer peregrinação e o turismo religioso sem sair de casa. O surgimento das Igrejas Eletrônicas nas redes de televisão e nas redes sociais disponíveis na internet, possibilitou as práticas das telereligiões e das teleperegrinações. Na Idade da Mídia os peregrinos podem pagar suas promessas depositando os ex-votos digitais nas telesalas dos telemilagres, ou seja: podem pagar virtualmente as suas promessas nos endereços eletrônicos dos principais santuários enviando fotos, mensagens escritas e em audiovisuais pelo WhatsApp ou fazendo depósito por PIX.
Referencias
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[*] Prof. Dr. Associado, aposentado do
DECOM/CCTA/UFPB. Membro da INTERCOM/Rede FOLKCOM/Comissão Nacional de
Folclore/Comissão Paraibana de Folclore.
Muito bom! Parabéns.
ResponderExcluirMuito bom ! Parabéns.
ResponderExcluirProfessor muito obrigada por reflexões tão pertinentes. Texto maravilhoso. Grande aprendizado. Tenho muito orgulho de sua trajetória inspiradora.
ResponderExcluirParabéns Trigueiro! Notável trabalho que nos incita a repensar estereótipos no tempo e no espaço atual... gostei muito, abrindo caminhos... e nos fazendo lembrar dos incentivos à pesquisa por Roberto Benjamim. Obrigada
ResponderExcluirNão restam dúvidas sobre a forma clara como o.profesdor debulha cada parágrafo nos proporcionando maior enriquecimento dos nossos saberes reais.
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