Roberto, Osvaldo, Luiz Antonio e Bráulio |
Não
fomos como convidados da organização do evento e achamos melhor ficar mais afastados,
mas com a intenção de, aos poucos, nos aproximarmos dos convidados e dos grupos
folclóricos que lá se encontravam. Eu, um jovem que tinha colado grau no curso de
jornalismo em dezembro de 1975 estava deixando o período de estagiário para assumir
como professor da Universidade Federal da Paraíba, e o professor Roberto
Benjamin já era referência no campo dos estudos
do folclore, conhecido de alguns ilustres convidados e eu estava iniciando a minha trajetória de pesquisador, que se alongou por
toda minha vida acadêmica e sem dúvida foi no Encontro Cultural de Laranjeiras que dei a partida inicial para
as pesquisas empíricas e teóricas.
Chegando
em Laranjeiras próximo do horário previsto para abertura do evento encontramos
os professores e pesquisadores pernambucanos Valdemar Valente e Mário Souto
Maior, que além do Roberto Benjamin eu também os conhecia e foi um grande alívio
para mim encontrar os dois ilustres convidados que animadamente faziam elogios às nossas
atividades como estudiosos e pesquisadores do folclore ao nos apresentarem a Luiz Antônio Barreto,
idealizador e coordenador do evento, e a Bráulio Nascimento, presidente da
Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro/CDFB. Esse encontro foi um acontecimento
que marcou muito a minha vida como professor, pesquisador do folclore e da
cultura popular, da comunicação de massa e da folkcomunicação, campos de estudos
de meu interesse até hoje.
Roberto
Benjamin, foi meu professor na graduação no curso de jornalismo e na pós-graduação
como orientador no mestrado e sempre fez parte desde o início da minha formação
acadêmica. Mas a partir daquela noite de 28 de maio de 1976 Luiz Antônio
Barreto e Bráulio Nascimento incorporaram, com muita honra, o time dos meus
grandes mestres e com eles sempre estava apreendo como fazer uma investigação
de campo, ser ético e respeitar os detentores dos sabres populares. E assim foi
por longas décadas de convivência, de amizade e respeito, muitas vezes com
divergências de opiniões e definições de conceitos.
Este
depoimento é para prestar a minha homenagem a Luiz Antônio Barreto, porém não
podia deixar de citar esses dois importantes mestres e amigos, Roberto Benjamin
e Bráulio Nascimento, que quase sempre estávamos juntos participando de
congressos, simpósios, reuniões, projetos de pesquisas e de tantos outros
eventos culturais em diferentes lugares, mas foi nos encontros culturais da
histórica cidade de Laranjeiras que nossa amizade consolidou-se e junto vieram
tantos outros que gostaria de citar, até porque continuamos mantendo contatos e
resguardando o legado deixado por Luiz Antônio Barreto, assim como: Jackson da
Silva Lima(SE), Algaé D’Ávila Fontes (SE), Beatriz Góis Dantas (SE), Lindolfo
Amaral (SE ), Luiz Fernando Soutelo (SE), Antônio Alves do Amaral (SE), Verônica
Nunes (SE), José Maria Tenório (AL) Cáscia
Frade (SP), Maria Thereza de Camargo (SP), Marlei Sigrist (MS), Toninho Macedo
(SP), Severino Lucena (PE), José Fernando Sousa e Silva (PE), Affonso Furtado (RJ),
Eleonora Gabriel (RJ) José Ronaldo de Menezes – o mestre Zé Rolinha (SE) e
tantos outros que constituem uma rede de estudiosos e pesquisadores que deram
significativas contribuições para os novos entendimentos do folclore e da
cultura popular na atualidade.
Luiz
Antônio Barreto, historiador, jornalista, folclorista e um importante aglutinador
de pessoas com opiniões divergentes e com essa capacidade mediadora fez do
Encontro Cultural de Laranjeiras um dos mais importantes e longínquos eventos
temáticos sobre o folclore e cultura popular no Brasil. O encontro de Laranjeiras rompeu a barreira dos
40 anos ininterruptos, por lá passaram ilustres intelectuais brasileiros e
estrangeiros que deixaram importantes contribuições na formação de várias
gerações de estudiosos, de pesquisadores e principalmente de jovens, assim como
eu que cheguei para participar do primeiro encontro cultural como aprendiz, continuo
participando e aprendo cada vez mais.
O
Encontro Cultural de Laranjeiras, possibilita o diálogo para uma melhor
compreensão de novos entendimentos do folclore e da cultura popular, onde se ouvem
opiniões diversas, narrativas de novas experiências, de importantes ideias e de
fundamentações teóricas (palestras, seminários, etc.) e práticas (oficinas, minicursos
e as trocas de saberes com os mestres populares). Luiz Antônio Barreto, foi o
grande idealizador do Encontro Cultural de Laranjeiras e sempre teve o apoio
dos seus pares sergipanos e de tantos outros estudiosos de diferentes regiões
do Brasil, porque acreditavam na sua proposta, no seu projeto de pesquisa, de registro,
de divulgação e de apoio aos grupos folclóricos. Era impressionante o poder de
articulação e de diálogo que Luiz Antônio tinha com autoridades públicas e com
os empresários, não media esforços para conseguir o apoio, os patrocínios
necessários para a realização do encontro de Laranjeiras, é bom que se diga, sem
fazer concessões dos seus objetivos e mesmo em tempo de crises políticas e
financeiras o evento acontecia.
Ao
longo dos anos o encontro foi ampliando o seu espaço para divulgar Laranjeiras
como uma cidade detentora de importantes patrimônios culturais materiais e
imateriais. Um dos principais objetivos do encontro é reunir estudiosos e
pesquisadores da nossa cultura popular para conhecer de perto as manifestações
dos grupos folclóricos, as igrejas, os casarões, o mercado, o trapiche e as
ruas históricas de cidade. O encontro cultural contribuiu ainda mais para a
projeção de Laranjeiras no cenário nacional e internacional. Assim como disse
Luiz Antônio Barreto:
Quando a somação do
Governo do Estado com a Prefeitura Municipal, apoiada pela então Campanha de
Defesa do Folclore Brasileiro, Laranjeiras foi a destinatária de um conjunto de
ações, em torno do I Encontro Cultural, como a restauração da velha Casa de Laranjeiras
e instalação do Museu Afro Brasileiro de Sergipe, iniciando uma série de
restauros que devolveu ao uso público monumentos sociais, como o Mercado da
cidade, o Trapiche, a Casa da Câmara, bem como recuperou ruas de calçamento de
pedra, enquanto pavimentou outras, tornando melhor o piso da cidade. Com o
Encontro Cultural de Laranjeiras Sergipe foi grande beneficiado, porque foram
gravados, pela primeira vez, os sons dos grupos folclóricos e editados discos,
livros, cadernos de folclore, dando visibilidade a um variado elenco de grupos,
cada um com sua característica (citação do artigo publicado em
01/01/2000/Infonet).
O
Encontro Cultural de Laranjeiras não pertence só ao povo sergipano é um
patrimônio de todos nós, é uma sala de aula aberta aos estudiosos,
pesquisadores, aos mestres e brincantes das manifestações das culturas
populares. Como afirmou Bráulio Nascimento:
Na verdade, não é
possível falar do desenvolvimento dos estudos da cultura popular no Brasil sem
passar por Laranjeiras. Muitas ideias aqui expostas e debatidas constituíram o
núcleo de trabalhos de maior fôlego, que motivaram e estimularam debates em
outros pontos do País, em outros contextos culturais (citação do artigo
publicado em 2005 nos 30 anos do Encontro Cultural).
No
encontro de 1977 cerca de 200 grupos estiveram presentes durante a realização
do evento e Laranjeiras passou a se chamar, simbolicamente a capital do
folclore brasileiro no mês de janeiro. A professora e pesquisadora Aglaé
Fontes, na apresentação da publicação comemorativa dos 20 anos do encontro
afirma que:
Ao longo dos 20 anos O Encontro
Cultural de Laranjeiras, vem se constituindo um foco de resistência cultural em
defesa do folclore. Com as mais diversas formas de ver, pesquisadores e
estudiosos da cultura popular, apresentam, a partir de temas, informações e
aprofundamento de estudos, que fazem do simpósio um fórum aberto das discussões
de ideias (citação do texto de apresentação da publicação dos 20 anos do
encontro).
Portanto,
o evento foi crescendo tomando demissões que extrapolam o território da cidade
histórica de Laranjeiras e do seu entorno, ultrapassando o território sergipano
e passa a ser reconhecido por instituições culturais, estudiosos e
pesquisadores nacionais e internacionais. Sou testemunha ocular da história do
Encontro Cultural de Laranjeiras, não só por participar do primeiro realizado
em maio de 1976 e em tantos outros, mas também fazia parte de um pequeno grupo
que gozava da amizade, da confiança e do
carinho de Luiz Antônio conquistados durante os 36 anos de muitos encontros
alegres e tristes porque nem tudo foi festa. Nos últimos anos Luiz Antônio já
não participava do encontro em Laranjeiras achava que o objetivo principal do
evento era a valorização dos grupos folclóricos tradicionais e que estavam
sendo menosprezados pelas autoridades locais. Ou seja, os grupos folclóricos
não são mais os protagonistas do evento, agora são os coadjuvantes da
festa.
O
tema central do encontro em 2018 foi, Nosso palco é a rua, mas os camarotes e
os palcos patrocinados pela administração municipal é que tomaram conta das
ruas de Laranjeiras para apresentações de shows artísticos predominantemente de
cantores e cantoras de músicas sertanejas e os grupos folclóricos tradicionais ficaram renegados e a festa já não
é mais deles com era desejo do seu idealizador e de sua equipe de apoio. Nada contra
qualquer gênero de música e de show artístico, mas cada qual no seu tempo e
espaço e Barreto não concordava com a secundarização dos grupos folclóricos e
com a falta de apoio a eles.
O
tempo e o espaço do Encontro Cultural de Laranjeiras, das manifestações dos
grupos folclóricos, da Festa de São Benedito e de Nossa Senhora do Rosário
celebrada no dia de Reis, deveria ser respeitado pelas autoridades civis e
religiosas. O volume alto do som, que durante o dia ecoa dos palcos, abafava as
falas dos conferencistas e dos debates que se realizavam no simpósio e, de
noite, abafava as músicas e danças dos grupos folclóricos. Mas, assim mesmo a
Taieira, a Chegança e o Cacumbi saíram em cortejo, no domingo pela manhã, rumo
à igreja de São Benedito para participar da missa de coroação das rainhas de
Nossa Senhora do Rosário e da Taieira, percorrendo as ruas desviando ora dos
automóveis, ora dos palcos instalados nas esquinas, nas praças e até no meio
das ruas numa verdadeira caminhada de obstáculos até chegarem à igreja. E essas
atitudes adotadas pelas últimas administrações do município de Laranjeiras
foram afastando Luiz Antônio do encontro cultural.
O
meu último encontro presencial com Luiz Antônio Barreto, foi em janeiro de 2012
no Instituto Tobias Barreto de Educação e Cultura-ITBEC, instalado no prédio da
Biblioteca Central da Universidade Tiradentes, quando estava totalmente
dedicado às atividades do ITBEC cheio de ideias para novos projetos de curto e
médio prazos, mas não sentia aquele entusiasmos quando falávamos do encontro
cultural de Laranjeiras, das políticas públicas de apoio às culturas
tradicionais. Foi um dia de boas conversas, de recordação dos acontecimentos
que participamos, a saudade de alguns amigos que não estavam mais aqui com a gente,
isso tudo durante as quase duas horas andado pelas instalações do ITBEC. Fomos
almoçar e continuamos conversando e já no final da tarde deixou-me no hotel e nos
despedimos com um até breve e jamais poderia imaginar que seria o nosso
encontro final. Foi assim a nossa amizade durou de 1976 até o dia 17 de abril
de 2012 quando recebi a notícia do seu falecimento por telefone da nossa amiga
Aglaé Fontes.
Não poderia deixar de registrar aqui o projeto Contos Populares Brasileiros, com administração cultural de Luiz Antônio Barreto, que na época do seu desenvolvimento era o Superintende do Instituto de Documentação da Fundação Joaquim Nabuco-Fundaj, que envolveu diferentes instituições culturais do Brasil e de Portugal. Mais uma vez Luiz Antônio me faz uma provocação para mais um desafio o de assumir com o professor e pesquisador Altimar Pimentel a coordenação do projeto na Paraíba. E como resultado do desafio iniciado em 1987, com a supervisão do professor Bráulio do Nascimento, o trabalho foi publicado em 1996 pela Editora Massangana da Fundaj.
O
Encontro Cultural de Laranjeiras, possibilitou e continua possibilitando, nestes
anos todos, significativas reflexões sobre a cultura tradicional na
contemporaneidade, continua contribuindo na formação de jovens estudiosos e
pesquisadores do folclore e da cultura popular brasileira e especialmente
nordestina.
E
assim Luiz Antônio Barreto deixa o seu legado, não só nas importantes
publicações em livros, nos anais dos encontros de Laranjeiras, nos colóquios de
Tobias Barreto, nos seminários de Estudos Medievais, em incontáveis artigos
publicados em jornais, não só como secretário de educação e de cultura, mas
também como incentivador e apoiador de diferentes eventos culturais, organizador
e criador do Instituto Tobias Barreto de Educação e Cultura, uma de suas
maiores paixões.
E
por último deixo aqui a seguinte mensagem de Luiz Antônio Barreto sobre o
encontro cultural como uma demonstração de respeito e admiração que tinha pela
histórica cidade de Laranjeiras e do simpósio cultural:
O Encontro
Cultural de Laranjeiras é um campus avançado de cultura que está ensinando a
pensar o povo e sua existência no tempo histórico e no espaço da região com
suas tipicidades que, em muitos pontos, converge inteira para espelhar o
Brasil. Talvez falte apenas um detalhe:
é a consciência da importância do Simpósio para Sergipe e para a comunidade
intelectual brasileira (citação
do texto: Laranjeiras, a Revisão Religiosa, publicado na edição comemorativa
dos 20 anos do Encontro Cultural de Laranjeiras).
Os
seus livros, artigos, suas ideias, seus conceitos e métodos de pesquisas continuam
atualizados e disponíveis em centros culturais, bibliotecas e redes sociais.
Tabatinga/PB,
outono de 2020.
👍👍👍👍
ResponderExcluirInteressante como o velho "Fusquinha" aparece em nossas memórias.
ResponderExcluirFoi protagonista em uma série de eventos e acontecências que sempre marcaram nossas vidas de então, servindo-nos, até mesmo, em determinadas circunstâncias, de dormitório e outras utilidades de então...
Osvaldo
ResponderExcluirMe vi participando da música "velhos tempos, velhos dias!"
O que aconteceu foi, invariavelmente, feliz.
Obrigado pela referência ao lado de tanta gente querida. Somente isso compensa uma vida!
Abraços, quando for possível, para Rosinha e você.
José Fernando
Estimado amigo Trigueiro.
ResponderExcluirVocê não imagina o quanto encheu-me de satisfação a leitura de seu texto sobre os Encontros de Laranjeiras. Quanta saudade dos amigos ali reunidos todos os anos.
Há poucos dias falei com Beatris de Aracaju.
E Rosinha , como está? Ainda estão na mesma casa?
Continuo pesquisando e escrevendo, lembrando que nesta semana terminei um artigo sobre um grupo de benzedeiras da Chapada do Araripe, município de Barbalha - CE. Pois, é por ali que venho pesquisando desde o final dos anos 90 e, para onde me mando periodicamente.
Um abraço bem grande para você e Rosinha.
Maria Thereza
Bom dia,
ResponderExcluirMuito bom post.
Muita história e vivência.
Gostei demais!!!
Abs
MErica
Parabéns Osvaldo, estas lembranças são realmente muito importante. Obrigada por nos passar tantas informações. Obrigada e parabéns!
ResponderExcluirBetania.
Osvaldo querido
ResponderExcluirMemórias orientam a vida e alimentam o espírito. Parabéns por conservar o gosto pela memória!
Herança que recebemos do nosso querido professor e orientador Roberto Benjamin
Abraço afetuoso,
Salett Tauk.
Trigueiro amigo,
ResponderExcluirMais um belíssimo texto seu – homenageatorio do Encontro de Laranjeiras, particularmente dos companheiros que já se foram (Luiz Antonio Barreto, Braulio do Nascimento e Roberto Benjamin). Muito obrigado pela feliz lembrança, cujo texto imprimi para meus arquivos, deveras confortador neste tempo aziago de pandemia e de cavalice governamental.
Cordial abraço
Jakson Lima
Obrigada Trigueiro.
ResponderExcluirVamos utilizar em sala de aula.
Muito bom, parabéns pelo seu trabalho e obrigada por sua ativa participação no GP de Folk da Intercom.
Muito importante e fundamental sua participação.
Grande abraço,
MErica
Osvaldo, que bom verouvir o vídeo.
ResponderExcluirDois gigantes ali conversando...
Vamos aguardar as festas retornarem à normalidade.
Gosto muito também do Fausto Neto. Ele foi meu professor na UFRJ, e dava
aulas de teorias da comunicação.
Yuji Gushiken