O Encontro Cultural de
Laranjeiras talvez seja um dos eventos de estudo da cultura popular brasileira
de maior longevidade no Brasil. Há 43 anos acontece sem interrupção, entra
governo sai governo, em tempo de crise econômica, chova ou faça sol, o encontro
sempre acontece na histórica cidade de Laranjeiras no estado de Sergipe.
A cidade está localizada
na região Metropolitana de Aracaju, é de fácil acesso por automóvel ou
transporte coletivo e fica a cerca de 20 quilômetros do centro da capital de
Sergipe.
Laranjeiras é um museu a
céu aberto, como gostam de dizer orgulhosamente os seus habitantes, tombada
pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN desde 1996.
A cidade é banhada pelo rio Cotinguiba, na sua margem estão localizados o
Trapiche e o Mercado, é cercada de igrejas e casarões coloniais que contam a
sua história econômica e cultural.
Participei, agora em
janeiro de 2018 como convidado da organização do encontro, fazendo uma palestra
com o tema: As festas tradicionais e os diferentes processos de atualização.
Foi uma honra tomar parte do 43º Encontro Cultural de Laranjeiras ao lado de
professores, pesquisadores, mestres e brincantes dos grupos folclóricos de
Sergipe.
Ao longo dos anos o
encontro foi ampliando o seu espaço para divulgar Laranjeiras como uma cidade
detentora de importantes patrimônios culturais materiais e imateriais. Um dos
principais objetivos do encontro é reunir estudiosos e pesquisadores da nossa cultura
popular para conhecer de perto as manifestações dos grupos folclóricos, as
igrejas, os casarões, o mercado, o trapiche e as ruas históricas de cidade. Sem
dúvida foram os encontros culturais que projetaram Laranjeiras no cenário
nacional. Assim como disse Luiz Antônio Barreto:
Quando a somação do Governo do Estado com a Prefeitura Municipal, apoiada pela então Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, Laranjeiras foi a destinatária de um conjunto de ações, em torno do I Encontro Cultural, como a restauração da velha Casa de Laranjeiras e instalação do Museu Afro Brasileiro de Sergipe, iniciando uma série de restauros que devolveu ao uso público monumentos sociais, como o Mercado da cidade, o Trapiche, a Casa da Câmara, bem como recuperou ruas de calçamento de pedra, enquanto pavimentou outras, tornando melhor o piso da cidade. Com o Encontro Cultural de Laranjeiras Sergipe foi grande beneficiado, porque foram gravados, pela primeira vez, os sons dos grupos folclóricos e editados discos, livros, cadernos de folclore, dando visibilidade a um variado elenco de grupos, cada um com sua característica (artigo publicado em 01/01/2000/Infonet).
O Encontro Cultural de
Laranjeiras não pertence só ao povo sergipano é um patrimônio de todos nós, é
uma sala de aula aberta aos estudiosos, pesquisadores, aos mestres e brincantes
das manifestações das culturas populares. Como afirmou Bráulio Nascimento:
Na verdade, não é possível falar do desenvolvimento dos estudos da cultura popular no Brasil sem passar por Laranjeiras. Muitas ideias aqui expostas e debatidas constituíram o núcleo de trabalhos de maior fôlego, que motivaram e estimularam debates em outros pontos do País, em outros contextos culturais (artigo publicado em 2005 nos 30 anos do Encontro Cultural).
No encontro de 1977 cerca
de 200 grupos estiveram presentes durante a realização do evento e Laranjeiras
passou a se chamar, simbolicamente a capital do folclore brasileiro no mês de
janeiro.
A reunião de estudiosos,
pesquisadores brasileiros e estrangeiros colocou Laranjeiras no centro das
atenções, dos debates e discussões sobre os antigos e novos paradigmas de
estudos e pesquisas da nossa cultura popular que se espalharam mundo afora,
possibilitando publicações de artigos, dissertações, teses e livros, que
atualmente estão disponíveis na mídia impressa e nas redes sociais.
Quando Luiz Antônio
Barreto, com a colaboração de estudiosos e pesquisadores da cultura sergipana,
idealizou o encontro em 1976, que aconteceria durante o período da Festa dos Santos
Reis, teve como propósito levar para Laranjeiras importantes nomes de
estudiosos e pesquisadores da cultura popular e das artes brasileiras, para
testemunharem as apresentações dos grupos folclóricos e a simbologia da festa
religiosa de coroação da Rainha das Taieiras na igreja de São Benedito e Nossa
Senhora do Rosário, cerimônia religiosa que há mais de cem anos acontece na
cidade histórica no início de janeiro.
A partir daí não só
Laranjeiras, mas o Estado de Sergipe entra no calendário cultural brasileiro
como referência dos estudos e das pesquisas folclóricas.
Nesses 43 anos de
realizações, passaram pelo encontro importantes personalidades de
reconhecimento nacional e internacional. Para conferir basta consultar as
publicações comemorativas que reúnem textos apresentados nos 20 e nos 30 anos
de realização.
A professora e
pesquisadora Aglaé Fontes, à época Secretária Especial da Cultura do Estado de
Sergipe, na apresentação da publicação dos 20 anos, diz:
Ao longo dos 20 anos O Encontro Cultural de Laranjeiras, vem se constituindo um foco de resistência cultural em defesa do folclore. Com as mais diversas formas de ver, pesquisadores e estudiosos da cultura popular, apresentam, a partir de temas, informações e aprofundamento de estudos, que fazem do simpósio um fórum aberto das discussões de ideias (texto de apresentação da publicação dos 20 anos do encontro).No discurso de abertura oficial do 20º encontro o então prefeito de Laranjeiras Hans Otto Hagenbeck na sua fala em defesa dos grupos folclóricos afirma:
Laranjeiras volta mais uma vez ao clima de festa, que transpira de um encontro com a dimensão do que, pela vigésima vez, passa a acontecer na nossa cidade. Temos a honra e grata alegria de não só recepcionarmos os ilustres participantes, como também a todos que aqui estão presentes; cujas participações dignificam um acontecimento que já deitou suas raízes por todo o Brasil, e além-fronteiras. A trajetória dessa promoção que se repete no início de cada ano, vem se consolidando ao longo do tempo. Turistas e visitantes aqui chegam, com a finalidade de sentir de perto a força do folclore animando o espírito popular de nossa gente, repassando uma imagem positiva de um povo que não deixou sucumbir o que lhe há de mais tocante: a sabedoria passada de geração a geração.Mais adiante já no final do seu discurso o prefeito Hagenbeck ressalta a importância da cidade de Laranjeiras como um grande palco de manifestações folclóricas:
Durante os próximos três dias, Laranjeiras deixará de ser apenas uma cidade comum para transformar-se no grande palco das manifestações folclóricas que aqui vão desfilar. Que a grandeza da sua gente humilde e acolhedora possa receber a todos de abraços e coração abertos. Muito obrigado (publicado nos anais do XX Encontro Cultural de Laranjeiras, 1995).
O atual prefeito de Laranjeiras, Paulo Hagenbeck e a atual Secretária
Municipal da Cultura, Maria Gardênia Hagenbeck na apresentação do programa
cultural do 43º encontro dizem que:
Desde seu surgimento o Encontro Cultural de Laranjeiras dedica-se a promoção da Cultura popular, construiu um caminho articulado de estudo, pesquisa e exercícios das manifestações culturais. O Encontro Cultural de Laranjeiras é considerado um dos maiores desse país nesse segmento, sendo um evento consolidado nacionalmente e internacionalmente.Mais adiante continua:
Queremos desejar boas vindas e saudar a todos que fazem essa festa acontecer, turistas, comunidade laranjeirense e sergipana, artistas culturais e musicais regional e nacional, colaboradores no geral. Saudações especialmente aos brincantes da nossa cultura popular que protagonizam e reverenciam o folclore da cidade de Laranjeiras.
O tema central do
encontro deste ano foi: Nosso palco é a rua, mas os camarotes e os palcos
patrocinados pela administração municipal é que tomaram conta das ruas de
Laranjeiras para apresentações de shows artísticos predominantemente de
cantores e cantoras de músicas que estão nas paradas de sucessos midiáticas. Nada contra qualquer gênero de
música e de show artístico, mas cada qual no seu tempo e espaço.
O tempo e o espaço do
Encontro Cultural de Laranjeiras, das manifestações dos grupos folclóricos, da
Festa de São Benedito e de Nossa Senhora do Rosário celebrada no dia de Santos Reis
devem ser respeitados pelas autoridades civis e religiosas. O volume alto do som dos palcos abafava as falas dos conferencistas e dos
debates que se realizavam no simpósio, além de abafar as músicas e danças dos
grupos folclóricos, como mostram os vídeos no final do texto.
Mas assim mesmo a Taieira,
a Chegança e o Cacumbi saíram em cortejo, no domingo pela manhã, rumo à igreja
de São Benedito e de Nossa Senhora do Rosário para participar da missa de coroação da Rainha da Taieiras, percorrendo as ruas desviando ora dos
automóveis, ora dos palcos instalados nas esquinas, nas praças e até no meio
das ruas, numa verdadeira caminhada de obstáculos até chegarem à igreja. Mesmo
assim o padre, interrompendo a tradição, não coroou a Rainha da Taieira como
deveria. Mas, o protesto de Bárbara, a mestra do grupo, da comunidade presente
na missa fez com que a rainha fosse coroada conforme manda a
tradição da festa.
Com os cantos, as músicas
abafadas pelos sons estridentes dos palcos os grupos continuavam em cortejos,
assim como forma de interpelação ao menosprezo do poder público e,
teimosamente, demostrando que a resistência é a força da cultura popular.
Ao contrário do discurso
das atuais autoridades administrativas da cidade os protagonistas não foram os
grupos folclóricos, não foram os mestres e brincantes da cultura popular
laranjeirense e sergipana.
Portanto, no 43º Encontro
Cultural de Laranjeiras os mestres, os brincantes e os grupos folclóricos
tiveram na festa um papel, lamentavelmente, de coadjuvantes. O que estamos
assistindo na realidade nos últimos anos dos encontros culturais é como se
existissem duas festas distintas, uma com palcos com a parafernália eletrônica
de som e iluminação espalhados pelos pontos principais da cidade para as
apresentações de shows artísticos e outra periférica que é a festa religiosa e
as manifestações dos grupos folclóricos.
Aqui, constrangidamente,
quero deixar um pouco do meu desencantamento, até da minha indignação, com o
que presenciei agora em Laranjeiras no encontro de 2018. O meu depoimento tem o
olhar de quem testemunhou e participou da maioria desses 43 anos de realização
do encontro cultural, desde o primeiro em 1976, quando tinha acabado de sair da
universidade e, com certeza estive presente em mais de 30 dos 43 já realizados.
Portanto, acompanhei, continuo acompanhando e posso afirmar que participei dos
momentos mais importantes da história do Encontro Cultural de Laranjeiras,
assim como diz Luiz Antônio Barreto em artigo publicado:
Quem vem, anualmente, a Laranjeiras para trocar ideias, trazer novas apreciações, atualizar as referências e as bibliografias renova o compromisso. Foram muitos, algumas dezenas ao longo do tempo, alguns dos quais sempre voltam, enraizados no interesse de compreender melhor o fenômeno da cultura popular. Três desses heroicos partidários dos Encontros Culturais – Bráulio do Nascimento, Roberto Benjamim e Osvaldo Trigueiro – o mestre, o professor e o estudante de 1976 se tornaram, nas últimas décadas, nos mais acreditados produtores culturais brasileiros (Infonet, 2002).
Não se trata de heroísmo,
como disse amigavelmente Barreto, mas de acreditar numa proposta de projeto de
estudo e de pesquisa, e, por crer em tudo isso sempre priorizei nos meus
compromissos a participação no Encontro Cultural de Laranjeiras deste a época
de Luiz Antônio Barreto aos dias atuais com tantos outros heroicos
companheiros.
Portanto, pelos encontros
culturais passaram importantes personalidades brasileiras e estrangeiras que
deixaram as suas marcas, as suas referências e seus ensinamentos para formação
de gerações e gerações de novos estudiosos e pesquisadores e me incluo entre
eles.
Sou muito grato por tudo
que apreendi nas exposições e debates do encontro como também pelo que aprendi
e continuo aprendendo com os mestres e brincantes dos grupos folclóricos que se
apresentam nas ruas e nas igrejas de Laranjeiras. Enquanto há vida há esperança
e espero uma outra atitude das autoridades laranjeirenses na retomada do
projeto inicial do Encontro Cultural.