O meu amigo Wills Leal (escritor, pesquisador das nossas festas tradicionais e membro da Academia Paraibana de Letras e da Academia Paraibana de Cinema), telefonou para mim demonstrando a sua preocupação com a “invasão” das músicas sertanejas nas nossas festas juninas, mais precisamente no “Maior São João do Mundo”, que se realiza em Campina Grande, a segunda cidade mais importante do Estado da Paraíba. E Wills chamava a atenção para os debates surgidos no período das festas, contra e a favor desse gênero musical, para não se deixar que esses debates caíssem no esquecimento com o final dos festejos juninos, com toda razão.
É realmente um tema bastante polêmico que necessita de ampla reflexão ouvindo todas as partes envolvidas na organização dessas festas juninas institucionalizadas pelos poderes municipais e empresas privadas em que os interesses extrapolam as nossas tradições culturais. Ressalto que não comungo com a ideia que tradição seja uma experiência patológica ligada ao passado e que rejeita toda e qualquer experiência inovadora, toda e qualquer experiência de atualização.
Assim como no Brasil em outras partes do mundo as festas religiosas do catolicismo popular também passam por importantes atualizações como parte dos processos das dinâmicas culturais. Mas, é inegável a forte influência dos diferentes grupos empresariais e políticos nesses processos de atualizações dessas festas tradicionais.
Aqui gostaria de distinguir tradição de antiguidade, de coisa que é velha, porque são realidades diferentes, não olhar o antigo como coisas que sempre ficaram para trás, que ficaram só na memória, até porque nem tudo que é tradicional é velho, assim como nem tudo que é moderno é novo.
Portanto, as manifestações culturais tradicionais estão em constantes processos de atualização. Na realidade o que existe são processos tensos de negociações entre tradição e atualidade, entre o local e o global, que sempre conviveram nas diferentes épocas da história.
Toda e qualquer manifestação cultural tradicional traz, inevitavelmente, alguma coisa de novo na atualidade, é assim que venho observando as festas populares e não seria diferente com os festejos juninos aqui no Brasil e especialmente no Nordeste onde são celebrados com maior intensidade.
É quase impossível compreender e estudar as festas tradicionais fora do contexto da globalização cultural e, consequentemente, dos interesses da sociedade midiatizada, até porque as festas tradicionais estão, cada vez mais, agregando bens culturais produzidos pela mídia, pelo turismo e pelos interesses dos grupos políticos. Da mesma forma a mídia agrega bens culturais produzidos pelas sociedades tradicionais visando interesse dos seus negócios de compra e venda de bens culturais. E é nesses campos híbridos e tensionados que emergem as manifestações culturais tradicionais na atualidade.
As festas tradicionais convivem com as atualizações de bens culturais da sociedade tecnológica e globalizada, mas quando são apropriados e incorporados através dos processos de ressignificações operados pelos ativistas midiáticos nas redes folkcomunicacionais são, quase sempre, assentados nas experiências passadas de gerações em gerações e não como uma mera aceitação imposta de fora para dentro.
Ou seja, através dos seus atores sociais – brincantes – as manifestações culturais tradicionais se apropriam e incorporam, através das mediações negociadas, bens culturais inovadores como partes dos processos de atualizações. Um desses exemplos nas festas de São João aqui no Nordeste são as quadrilhas juninas que passaram e passam por significativas atualizações, mas são produzidas pelos ativistas midiáticos operadores nas redes folkcomunicacionais e por isso mesmo continuam estruturadas nas suas tradições culturais.
Quando esses processos de atualização das manifestações culturais tradicionais são impostos por setores externos às redes de sociabilidades das comunidades fazedoras das festas, aí sim é necessário ter uma certa cautela, uma certa preocupação com esses movimentos de apropriações, que quase sempre são passageiros, estão simplesmente na moda como bola da vez e que se diluem no tempo efêmero da sociedade midiatizada.
Aqui me refiro a festas tradicionais como acontecimentos identificadores dos fatos locais, como celebrações simbólicas das diversas relações sociais vivenciadas por uma comunidade para lembrar o seu calendário comemorativo religioso e civil. Mas, também me preocupam as invenções das festas institucionalizadas por setores externos como as recentes PPP (Parcerias Público-Privadas), criadas para organizar e promover o maior “São João do Mundo”.
Portanto, as festas tradicionais, rurais, urbanas e rurbanas, sempre passaram e continuam passando por importantes atualizações, num passado remoto com a instituição da quaresma, depois com a invenção da imprensa móvel, com os grandes descobrimentos do século XVI, com a revolução industrial, só para citar alguns períodos importantes marcantes da nossa história.
As nossas festas tradicionais são cada vez mais influenciadas pela globalização cultural, pelas redes midiáticas que encurtam o tempo entre as distâncias da produção e veiculação de novos bens culturais, quase sempre de sucesso transitório, assim como a música de Michel Teló “Ai Se Eu Te Pego” que foi grande sucesso em anos anteriores nas festas juninas. Mas “Asa Branca” de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, gravada há mais de 70 anos, continua sendo tocada, cantada e enraizada no repertório de várias gerações.
Volto a dizer que esses processos de atualizações das festas tradicionais não são exclusivos aqui no Brasil, vêm acontecendo em várias partes do mundo. Mas mesmo com todos esses aparatos tecnológicos da informação e da comunicação social não é possível eliminar os paradigmas tradicionais de comunicação, cada vez mais operados por diferentes ativistas midiáticos nas redes folkcomunicacionais. Por isso haverá sempre, de uma ou de outra forma, interpelações e resistências locais às atualizações impostas por setores externos às comunidades fazedoras das festas tradicionais não como xenofobismo, mas como processo de aceitação ou não das imposições inovadores veiculadas pela mídia na atualidade.
A polemica sobre as descaraterizações das festas tradicionais sempre existiu e continuará existindo. É instigante o debate com diferentes opiniões, com as divergências sobre as tradições culturais e os processos de atualização.
Dito isso chamo atenção, principalmente, para a polêmica sobre o agora protagonismo dos cantores e cantoras da música sertaneja e o agora papel coadjuvante dos cantores e cantoras do nosso tradicional forró nos processos de atualizações das festas juninas no Nordeste promovidas por grupos empresariais e políticos, principalmente com a PPP na organização e promoção do “Maior São João do Mundo” em Campina Grande que são, quase sempre, descompromissados com as nossas tradições culturais e mais interessados nos negócios lucrativos das festas.
Há mais de dez anos os professores Luiz Custódio e Roberto Faustino, com a sua competente equipe composta de alunos e funcionários, organizam no mês de junho em Campina Grande o seminário: “Os Festejos Juninos no Contexto da Folkcomunicação”, promovido pelo Departamento de Comunicação Social da Universidade Estadual da Paraíba-UEPB. Aqui vai uma sugestão ou até mesmo uma provocação para eles: promover um encontro para discutir, especialmente, as mudanças nos festejos juninos com a intervenção das Parcerias Público-Privadas (PPP).
Até breve.