sábado, 24 de dezembro de 2011

Então é Natal!

Mello Morais Filho, no seu livro Festa e Tradições Populares do Brasil, conta que o Presépio na forma de representação do nascimento de Jesus foi criado por São Francisco de Assis em Grécio no ano de 1223. No século XVI iniciam-se as dramatizações em torno dos presépios com dança e cantos populares em louvor a chegada do filho de Deus e assim se propagou pelo mundo cristão.

Câmara Cascudo, no Dicionário do Folclore Brasileiro, referindo-se ao presépio aqui no Brasil afirma que o Padre Fernão Cardim ao descrever os festejos natalinos de 1583 chama atenção pela importante participação popular. Em frente aos presépios os cantos e danças de adoração apropriados as festas natalinas decorriam desde a noite do Natal até o dia de Reis, conquistando, cada vez mais, a população brasileira e tornando, ainda hoje, a festa uma das mais significativas do nosso  tradicional calendário religioso popular. Essas manifestações folclóricas tão remotas deram formas e sentidos a danças e folguedos como a lapinha, o pastoril, a nau-catarineta, cavalo-marinho, bois-de-reis e tantas outras atividades culturais que se incorporam aos contextos regionais e locais.  

Na cidade de Olinda, estado de Pernambuco, é provável que o primeiro presépio tenha sido montado em 1635 pelo também franciscano Frei Gaspar de Santo Agostinho.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Piódão a Aldeia Presépio de Portugal


Fotos: Osvaldo Meira Trigueiro
e Rosa de Faria Trigueiro

Piódão é uma aldeia, fundada em 1676, na região Norte de Portugal, localizada no Concelho de Arganil, Distrito de Coimbra, entre a Serra da Estrela e a Serra Lousã, encravada na encosta da Serra do Açor, a uma distância de 345 quilômetros de Lisboa e 202 do Porto.  A sua origem vem desde a época medieval, sua população habita casas típicas da região construídas em pedras de xisto e lousa inclusive os telhados, classificadas como imóveis de interesse público. Piódão, também conhecida como “Aldeia Presépio”, integra o projeto Aldeias Históricas de Portugal que tem como objetivo desenvolver o turismo sustentável através de programas de valorização econômica de recursos endógenos. Atualmente o seu conjunto arquitetônico é totalmente preservado, mas integrado aos dias atuais com infraestruturas de redes de esgoto sanitário, de água potável, de energia elétrica e modernas redes de telecomunicações com o mundo globalizado.


Como Aldeia estava no caminho da antiga estrada que ligava Coimbra a Covilhã, por onde passavam os comerciantes vindos do litoral para o interior com mercadorias em cima dos carros de bois, com peixes e sal para negociar com os produtores de queijos, mel, vinhos e outras mercadorias agrícolas. Por sua localização de difícil acesso o Piódão ficou por muito tempo isolado do resto do país tronando-se um refúgio para foragidos da justiça ou da perseguição política. No Piódão viveram, por alguns anos, o famoso bandoleiro Zé do Telhado (uma espécie de Lampião português) e o fidalgo Diogo Lopes Pacheco um dos assassinos de D. Inês de Castro.
Há muitos séculos as encostas da Serra do Açor atraíam grupos de pastores que levavam os seus rebanhos para as ricas pastagens. Diz-se mesmo que esses pastores seriam os Lusitanos, hábeis criadores de cavalos que povoavam a região da Serra da Estrela.

Com a construção da estrada de acesso em 1972, a Freguesia do Piódão sai do isolamento e atualmente é um emergente destino turístico, histórico e cultural de Portugal. A aldeia tem uma urbanização com características medievais, as ruas são sinuosas nas beiras dos abismos da serra, tem temperaturas bastante frias no inverno, inclusive com muita neve e clima ameno no verão.  



Para chegar ao Piódão o visitante precisa subir a serra por uma estrada de 12 km com curvas sinuosas beirando os abismos de um lado e outro, descendo e subindo ladeiras como se fosse uma grande montanha russa, mas bem sinalizada e toda asfaltada. A viagem é uma aventura e em cada curva o viajante tem novas emoções ao admirar as belas paisagens da região. 


Na localidade o visitante encontra estacionamento, restaurantes, tascas típicas, áreas para piquenique, artesanato, centro de apoio aos turistas, museu etnográfico que conta a história de suas manifestações culturais tradicionais e um povo muito hospitaleiro. Uma das atrações é o passeio pelas ruelas para observar as casas de pedra e conhecer de perto as pessoas que nelas habitam e ouvir suas histórias.



Sem dúvida o Piódão é uma das mais bonitas aldeias históricas de Portugal. No Piódão o antigo e o novo convivem inseridos nos contextos folkmidiáticos que vale a pena conhecer. 







Asim é a bela Piódão.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

A 248ª Romaria de Nossa Senhora da Penha em João Pessoa - PB

A sociedade humana,mesmo com o desenvolvimento das novas tecnologias do mundo globalizado,continua a tradição de depositar oferendas nos santuários ou em lugares considerados milagrosos, o desejo do devoto é realmente de fazer a caminhada até o local de sua devoção. Nas últimas décadas as formas de representação destas manifestações religiosas, promessas ou ex-votos, estão se modificando para atender novos desejos de consumo dos devotos inseridos na sociedade midiatizada.

Este ano em João Pessoa acontece a 248ª Romaria de Nossa Senhora da Penha que, a exemplo dos últimos anos, deverá ser acompanhada por cerca de 200 mil pessoas, sem dúvida a maior manifestação do catolicismo popular da Paraíba e um das maiores do Nordeste, é um exemplo evidente da capacidade de recriação e, sobretudo, de resistência de uma manifestação religiosa tradicional que desafia o mundo globalizado. São pagadores de promessas, romeiros que usam cada vez mais a Folkcomunicação como sistema de diálogo e medição com a sua santa de devoção. 

O Santuário de Nossa Senhora da Penha é um importante exemplo desses novos processos de pagamento de promessas que são depositadas na casa dos milagres em agradecimento pela graça alcançada. É grande a quantidade de promessas (ex-votos) em gesso, parafina, plástico, madeira, fotografias, CDs e DVDs, anúncios em jornais, propagandas políticas e tantas outras manifestações Folkmidiáticas expostas no Santuário da Penha como testemunhos de acontecimentos de uma sociedade.

São representações de partes do corpo humano significando curas de doenças, são representações de casas através de “maquetes”, fotografias de ritos de passagens tradicionais e contemporâneos, assim como nascimentos e casamentos, a aquisições de bens de consumo como carros, motos, TVs, CDs e DVD Players. Na sala dos milagres do Santuário de Nossa Senhora da Penha o antigo e o novo, o tradicional e o moderno estão representados nas promessas (ex-votos).


Com a globalização do mundo contemporâneo, ao invés da tão propagada homogeneização cultural, do desaparecimento das culturas locais, o que estamos assistindo é uma ressignificação das manifestações culturais locais e consequentemente das manifestações folclóricas e das culturas populares. Um exemplo dessas novas clivagens é o ressurgimento da milenar manifestação religiosa de pagamento de promessas em santuários, capelas, grutas, cemitérios, cruzes de beiras de estadas, cruzeiros nos altos dos morros e em tantos outros lugares de romarias que se espalham em áreas urbanas e rurais de todas as regiões do país.  
A identidade cultural do local é uma realidade construída e partilhada com os mais próximos na troca de experiência face a face, porque é uma troca real de conhecimentos vivida cotidianamente, mas cada vez mais conectada nas redes de comunicação do mundo globalizado. O que existe são tensões entre o global e o local na reconfiguração das identidades locais com as suas representações vinculadas às formas e características de cada lugar e a Romaria de Nossa Senhora da Penha consolida-se na atualidade superando essas diversidades. Foi assim que Luiz Beltrão concebeu a sua teoria da Folkcomunicação pesquisando as romarias e os ex-votos e os diferentes sistemas de comunicação entre o romeiro e o seu santo de devoção.

Ex-votos










O pagamento de promessas através de ex-votos é uma prática universal cujas origens se perderam no tempo, sabe-se que 3000 anos A.C. os povos do Mediterrâneo já ofertavam objetos e animais às divindades como forma de agradecimento. Portanto, o ex-voto depositado em algum lugar considerado sagrado pelo devoto é uma forma prática de pagamento de uma graça alcançada, mas cada expressão, cada conteúdo transportado em cada uma de suas formas antropomorfas (representações do corpo humano ou de parte dele), zoomorfas (as representações de animais ou parte deles) e outras formas de representações (de pessoas ou coisas através de fitas, velas, vestuários, mechas de cabelo, peças utilitárias de uso doméstico, aparelhos ortopédicos, fotografias, cartas, publicações em jornais), são fontes de informação da cultura de um povo. Câmara Cascuda, em carta datada de 1965 e endereçada a Luiz Beltrão, diz: 

“Seu plano, Luiz Beltrão, de estudar o EX–VOTO é um soberbo programa de necessidade imediata. O “Ex-voto” é uma voz informadora da cultura coletiva, no tempo e no espaço, tão legítima e preciosa como uma parafernália arqueológica. Vale muito mais do que uma coleção de crânios, com suas respectivas e graves medições classificadoras. É um dos mais impressionantes e autênticos documentos da mentalidade popular, do Neolítico aos nossos dias. E sempre contemporâneos, verdadeiros e fiéis.” 


O ex-voto é muito mais do que um bem cultural material ou imaterial de significado de pagamento de promessa, também é necessário se considerar os seus valores antropológico, etnográfico, estético e como veículo Folkcomunicacional. São portadores de informações e de opiniões de parte das populações rurais e urbanas brasileiras. 
Chamo atenção, mais uma vez, para o artigo de Luiz Beltrão (1965) sobre o ex-voto como veículo jornalístico publicado há 46 anos, e continuamos a nos perguntar qual o significado do ex-voto. Que sentido tem, além do religioso, esse ex-voto depositado nos lugares de peregrinações e de romarias? Qual é a importância dos ex-votos como meios de comunicação popular – folkcomunicacionais, entre o pagador de promessa e o seu santo de devoção no contexto da sociedade midiatizada? Como decodificar, como interpretar os sentidos das mensagens neles expressas, nas performances dos protagonistas e dos seus coadjuvantes nas encenações ritualistas nos territórios sagrados e profanos das festas religiosas? Continua sendo um importante campo de investigação da Folkcomunicação e que não se esgota com a globalização cultural.
A sociedade midiatizada não consegue unificar as diferentes culturas porque são diversos os espaços e os tempos históricos, socioculturais e, neste caso, da religiosidade popular. Para provar tudo isso basta acompanhar e participar da Romaria de Nossa Senhora da Penha que acontece no último domingo de novembro saindo da Igreja de Nossa Senhora de Lurdes, no centro de João Pessoa, com destino ao Santuário da Penha, num percurso de 14 km.


domingo, 6 de novembro de 2011

Patos 108 e eu 64 anos, puxa vida!

num domingo de novembro

Realmente é uma vida puxada, porém feliz, chegar aos 64 anos ter nascido lá em Patos pouco antes da virada da metade do século passado, melhor dizendo em novembro de 1947. Vocês imaginam como era Patos nessa época? Uma cidade localizada no sertão da Paraíba castigada pelos constantes períodos de seca, com sistemas precários de esgotamento sanitário, de água corrente, de energia elétrica e comunicação com o mundo de fora. Mas, Patos já era uma cidade emergente no sertão nordestino como polo de produção de algodão e de gado. Tive muita sorte ter nascido na família Meira Trigueiro que não fazia parte dos mais pobres da cidade e, por isso mesmo, tive várias oportunidades na vida e aproveitei todas as possibilidades ofertadas pela minha família e pela minha cidade. O que infelizmente não aconteceu com alguns dos meus contemporâneos de escola, das peladas no campo do óleo que ficava próximo a usina do motor da luz, onde fica atualmente o Hotel JK, no campo da Cica, no campo da Rua Pedro Firmino, ou ainda dos companheiros que serviram o Tiro de Guerra comigo.


A vida é assim mesmo cada um percorre o seu caminho, temos que ir à luta uns com mais e outros menos chances. Mas, muitos desses contemporâneos tiveram a rara sorte, assim como eu, de testemunhar diferentes épocas, passar por diferentes experiências nos caminhos que nos levaram a continuar vivendo, superando as dificuldades e de chegar à segunda década do século XXI com mais de 60 anos. Tive rara sorte de viver experiências extraordinárias e testemunhar mudanças que até hoje são verdadeiras lições de aprendizado, coisas aparentemente simples que fizeram parte da minha vida, da minha condição humana. Foram épocas tão diferentes umas das outras que continuam marcadas na minha memória da infância e da maturidade de adulto. Quando nasci Patos já tinha o Colégio Diocesano, o Colégio Cristo Rei, o Grupo Escolar Rio Branco, Cine Eldorado, o Hospital Regional, a moderna Escola de Datilografia Remington, o Ditador da Moda, estava surgindo a Rádio Espinharas, consolidava-se o comércio da Rua Grande que atraía compradores de toda a região. Era uma pequena cidade, mas repleta de novidades, foi lá que conheci a caneta esferográfica, uma das maiores mudanças da minha época de escola primária, foi quando deixei de usar a caneta-tinteiro, fui testemunha da chegada da energia da hidroelétrica de Coremas e depois de Paulo Afonso, testemunhei a chegada do telefone no espaço doméstico, a fundação da Associação Universitária de Patos, a Casa do Estudante e do Fortelândia. Foi lá que andei a primeira vez de bicicleta e de lambreta, foi onde andei a primeira vez de carro e onde aprendi a dirigir e bem mais tarde testemunhei a chegada da televisão. 


Em Patos fui batizado e o meu padrinho foi o então prefeito Clovis Sátiro e o meu nome é uma homenagem ao então governador da Paraíba Osvaldo Trigueiro, udenistas assim como o meu pai, ou seja, o meu rito de passagem de pagão ao cristianismo foi um evento político na cidade. Foi em Patos que fiz a primeira comunhão, tive a minha primeira namorada e perdi a virgindade. Agora, um pouco distante da minha cidade natal e em plena maturidade passei a refletir melhor todas essas mudanças na minha vida. São experiências como a conquista do diploma de datilografia nos anos 60 do século passado e o diploma de doutor em ciências da comunicação em 2004 no século da globalização da comunicação. Nada disso foi uma tarefa fácil, mas cada conquista teve sua importância na história da minha vida sentimental e profissional representadas pelos períodos da caneta-tinteiro, caneta-esferográfica e atualmente da caneta-digital. 


Todas essas coisas, todos esses objetos tecnológicos, todos esses ritos de passagem fazem parte do meu universo simbólico. Só lembrando mais uma vez, tudo teve início na família Meira Trigueiro e lá na cidade onde nasci. Agora, com 64 anos, uma companheira “luso-brasileira” de mais de 30 anos, dois filhos e um neto, depois de plantar várias árvores na Granja Matuetê e escrever livros, pretendo refletir sobre todas as mudanças pelas quais estou passando, depois de testemunhar as grandes transformações das novas tecnologias da comunicação, as grandes mudanças socioculturais ao longo de todos esses anos. O que quero mais na vida é agradecer a Deus por tudo que consegui até agora. Viva a caneta-tinteiro, viva a caneta-esferográfica e viva a caneta-digital.

domingo, 22 de maio de 2011

Casa 110 da Rua do Cinema*



Esse era o endereço da casa onde nasci e vivi por muito tempo na cidade de Patos, Rua Pedro Firmino 110, a rua do cinema. A nossa casa ficava quase em frente ao Cine Eldorado de seu Agripino e Joaquim Araújo. Era a calçada e a escadaria do Cinema um dos pontos dos nossos encontros para as brincadeiras de criança e na adolescência para paquerar as alunas do Colégio Cristo Rei, que após as aulas desfilavam, em roupas de normalista, até ao cinema com o pretexto de olhar os cartazes dos filmes da semana. A escadaria do Eldorado e o passeio nas noites de domingo na rua do cinema era um território livre para a sociabilidade da juventude patoense nos anos 50 e 60 do século passado. Ali que se iniciavam os namoros, os rapazes enfileirados de um lado e do outro da rua e as moças desfilando entre o corredor humano se exibindo como se fosse uma passarela. O Cine Eldorado era uma referência cotidiana na cidade e consequentemente nas nossas vidas e para nós moradores da rua do cinema essa referência era ainda mais forte. Tudo ou quase tudo que fazíamos tinha alguma coisa ligada ao cinema.
Quando vivemos o nosso cotidiano tudo parece óbvio, sem importância, mas com o passar dos anos vamos verificando que o cotidiano é extraordinário, é a nossa experiência de vida. O Cine Eldorado de seu Agripino fazia parte do meu cotidiano da adolescência e de adulto, quando já estudava jornalismo em Recife e de férias em Patos passava horas e horas conversando com seu Agripino sobre cinema, conhecendo melhor a história do cinema mundial e do cinema brasileiro. Sabia quase tudo sobre o Oscar, sobre a vida dos grandes astros do cinema, a história de cada filme que programava para exibir no seu cinema. Era assim o seu Agripino.
              O Cine Eldorado e seu Agripino na minha adolescência estão até hoje registrados na minha memória. Seu Agripino sempre muito elegante e educado passava todos os dias na minha rua em direção ao cinema, mas era muito “severo” quando alguém desrespeitava o seu cinema ou filme que estava mostrando. Severo também com a entrada de menores em projeções proibidas para menores de 16 e 18 anos. Foi numa dessas situações que esbarrei de frente com seu Agripino pela primeira vez. Num desses filmes proibidos para menos de 18 anos eu e mais um grupo de amigos moradores da rua do cinema, todos na faixa etária dos 14 aos 16 anos, tentávamos assistir o filme proibido entrando no cinema pelos fundos, por uma passagem privada da casa de seu Joaquim Araújo (o outro sócio de seu Agripino) e o cinema. O grupo de adolescentes era liderado por Érico, filho de seu Joaquim Araújo, e quando já estávamos quase entrando no cinema apareceu bem na nossa frente seu Agripino que interrompeu a aventura proibindo a nossa entrada e ameaçando contar tudo aos nossos pais, o que acho que nunca aconteceu. O segundo momento registrado na minha memória foi na exibição de estreia do filme Os Dez Mandamentos: o cinema estava lotado, lugares reservados para as alunas internas do Colégio Cristo Rei – sempre vigiadas pela Madre Superiora –, para os alunos internos do Colégio Diocesano, também vigiados por Monsenhor Vieira, o diretor do colégio. Fomos todos ao cinema, o meu pai, a minha mãe, eu e meus irmãos. A expectativa era grande quando momentos antes do início da projeção seu Agripino sobe no palco e faz uma preleção sobre o filme, como foi a direção, a produção e chamando atenção para a necessidade de um intervalo de 15 minutos  para um breve descanso por que o filme  tinha duração de mais de 3 horas, era mais uma novidade. Foi um grande acontecimento na cidade e durante todo o período de exibição de Os Dez Mandamentos se faziam grandes filas na “minha rua” para assistir ao filme. Todas as noites chegavam caravanas das cidades mais próximas em romaria para o cinema. O terceiro e mais importante encontro com seu Agripino foi quando o Fortelândia (um clube de jovens que existiu em Patos nos anos de 1960 e 1970) resolveu homenageá-lo pelos grandes serviços prestados à cultura da cidade.  Seu Agripino não era apenas mais um proprietário de cinema era um profundo conhecedor e admirador do cinema e para ele o Cine Eldorado não era somente um negócio, era um estilo de vida.
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* Artigo publicado na Cinenordeste - Revista da Academia Paraibana de Cinema. Ano 1 nº2

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Os Caretas do Sítio do Judas em Olho D’Água na Paraíba

Com a chegada dos colonizadores portugueses ao Brasil, veio junto uma diversidade de manifestações culturais e entre essas as da Semana Santa, sem dúvida uma das mais expressivas do nosso calendário religioso e profano do catolicismo popular. A quaresma tem início na Quarta-feira de Cinzas, logo em seguida ao Carnaval e vai até o domingo de Páscoa, período em que havia uma vigilância cerrada da igreja nas realizações das festas, por ser um período de abstinência para os católicos e, como a igreja exercia um grande poder na sociedade, a desobediência era falta grave e em consequência os que desobedeciam poderiam sofrer pesados castigos.

As autoridades, a igreja e setores organizados das elites brasileiras fizeram de tudo para proibir as manifestações da malhação de Judas no sábado de Aleluia, mas não conseguiriam acabar totalmente com essas expressões culturais por que de uma ou de outra forma o povo dava um jeitinho de fazê-las. Com a transferência da Corte Portuguesa para o Brasil em 1808, essas manifestações populares foram bastante perseguidas no Rio de Janeiro, por ordem do Rei preocupado com as possíveis criticas a coroa portuguesa. Somente por volta de 1831 aparecem os movimentos liberais dando apoio à livre manifestação popular e a malhação de Judas volta a ter visibilidade nas ruas dos grandes centros urbanos, aí sim, com maior intensidade nos seus protestos. Portanto, a malhação de Judas é uma antiga tradição dos povos ibéricos até hoje presente na nossa cultura, evidentemente, atualizando-se e acompanhando a inovações ofertadas pela sociedade midiatizada.

Mas o propósito deste artigo é registrar a malhação de Judas na zona rural de Olho D’Água no sertão da Paraíba. O município que fica a 371 quilômetros de João Pessoa, na Microrregião do Piancó, com população de 7.831 habitantes, sendo 3.495 na zona urbana e 4.336 na zona rural, é um município híbrido do rural e do urbano constituído de valores culturais tradicionais característicos do sertão paraibano, mas interligado ao mundo globalizado pelas novas tecnologias da comunicação. 

Em 1981 com a colaboração de Rosa Trigueiro e Eduardo Nóbrega pesquisadores da UFPB registramos na fazenda Muselo naquele município a brincadeira, assim chamada pelos seus organizadores, da malhação de Judas ou os Caretas do Sítio de Judas.

A brincadeira é quase sempre realizada nas fazendas, na noite da Sexta-Feira Santa para o sábado de Aleluia, no terreiro das casas, recebendo dos respectivos proprietários a licença para malhar o Judas. Um grupo de moradores da redondeza percorre as localidades próximas pedindo prendas para a quebra do jejum da quaresma e como manda a tradição quem nega a doação poderá ter problemas no resto do ano e no final do dia a comissão tem arrecado boa quantidade de alimentos, bebidas e objetos que são armazenados na casa onde outro grupo confecciona o boneco de Judas secretamente para não ser roubado. 

O Sitio de Judas é um circulo cercado de mato, também chamado de curral, com uma entrada de três metros e no centro é erguido um mastro de aproximadamente oito metros onde é dependurado o boneco de Judas, na base é colocado um carro-de-boi ou mesmo uma grande mesa para depositar todas as doações. Os Caretas são soldadosmascarados que vão proteger o Judas dos invasores que tentam, a todo custo, roubar o Judas e as doações antes da meia-noite do sábado de Aleluia. Os Caretas vestem roupas de saco de estopa como uma espécie de surrão, barulhento, assim como o surrão do Maracatu, máscara de couro ou papelão com bigode e sobrancelhas de crina de cavalo para dar uma aparência de coisa grotesca e sua arma é um chicote de couro entrançado com um objeto contundente na ponta. Outra personagem marcante na brincadeira é a Catirina a mulher de Judas e quase sempre está grávida e faz o povo rir com as suas estripulias. Seu personagem lembra a Catirina do Bumba-meu-boi. É uma luta entre o bem e mal que dura até a meia-noite do sábado de Aleluia e os invasores, que são os do bem, sempre levam a melhor. Quando acontece a invasão do curral o boneco de Judas é derrubado e esquartejado e com as doações de comidas e bebidas a festa rola a noite inteira com o forró-pé-de-serra. 

A dramática condenação dos acusados pelo Tribunal do Santo Ofício ainda se encontra simbolicamente nas manifestações do catolicismo popular no sertão nordestino. Não seria o Sitio do Judas uma dessas representações simbólicas medievais ou da folclorização do campo de sangue comprado por Judas com o dinheiro ganho para trair Jesus? As roupas usadas pelos Caretas lembram, de certa forma, os sambenitos usados nos rituais de condenação dos considerados hereges pela inquisição. A malhação de Judas nas zonas rural e urbana de Olho D’Agua é uma manifestação cultural popular que persiste nos espaços do município, mas que vem incorporando valores culturais da sociedade contemporânea, até como forma de resistência ao tempo do mundo globalizado pelas novas tecnologias de comunicação.
Em 2010 voltamos a Olho D’Agua para mais uma observação da Malhação do Judas, desta vez com a colaboração de Mário Leite, um desses animadores culturais da localidade. Mais uma vez pudemos compreender que as sociedades tradicionais não são estáticas estão constantemente em processos criativos e inovadores das suas manifestações culturais populares.