quinta-feira, 22 de agosto de 2019

A fuga de brasileiros para Portugal

Fui a primeira vez a Portugal no ano de 1986, o país acabava de entrar na CEE – Comunidade Econômica Europeia e iniciava um grande processo de modernização socioeconômica, de desenvolvendo educacional e cultural, de estabilidade política que  consolidaria o regime democrático. Conheci Portugal na época dessas grandes mudanças, do Escudo ao Euro, das acanhadas estradas para as autoestradas que cortam o país de norte a sul e com áreas de serviços maravilhosas.    
Arquivo Pessoal, Lisboa-Torre de Belém
Lisboa-Torre de Belém
 O que me fez ir a Portugal foi conhecer a família, o lugar onde nasceu a minha esposa Rosinha que é portuguesa do Vilar dos Prazeres, uma vila, pertencente a cidade de Ourém e que fica cerca de 14 quilômetros de Fátima um importante destino turístico religioso do mundo. Na primeira viagem, em 1986, também foram os dois filhos que na época eram crianças, hoje, é claro, já são adultos casados e somos avós de um neto e de uma neta. O mais velho passou uma temporada estudando lá ainda quando era adolescente e depois retornou ao Brasil e aqui toca a sua vida casado e com dois filhos. E o mais novo também adolescente passou uma temporada por lá, retornou e agora casado também toca sua vida, mas em Portugal. Pois é, um filho aqui e outro lá em terras lusitanas.
Arquivo pessoal, Lisboa-Ascensor do Lavra
Lisboa-Ascensor do Lavra
Isso é para dizer que fomos várias vezes a Portugal e já perdi até a conta.  Vamos com muito mais frequência para descansar, visitar o filho e a nora, os demais familiares, os muitos amigos e também fugir desse clima de tensão que vivemos nos últimos anos aqui no Brasil. São as crises políticas, econômicas e o que mais nos assusta é a falta de segurança. É esse medo constante que, mesmo aposentados, quando vamos a Portugal é como se estivemos de férias porque viajamos de carro de ônibus e de trem para várias cidades, vilas, aldeias, passeamos nas ruas, praças, travessas, frequentamos lugares de dia ou de noite e a preocupação de ser furtado ou assaltado é praticamente zero, até mesmo nas grandes cidades como Lisboa e Porto.
Posso aqui dar o meu testemunho porque acompanhei as grandes mudanças que aconteceram nos anos 80 e 90 do século passado e agora continuo acompanhando essas importantes transformações em Portugal que passou de um país atrasado na Europa para ser atualmente um importante destino turístico, de oferta de empregos e de boas universidades para os brasileiros. O aeroporto de Lisboa ou do Porto já não são apenas para as conexões dos brasileiros com destinos a outros países europeus e muito menos cidades dormitórios enquanto aguardavam o voo do dia seguinte. É impressionante o crescimento do fluxo de turistas de todas as partes do mundo em Portugal.
Arquivo pessoal, Lisboa Festa popular
Lisboa-Festa popular
E como não poderia deixar de ser nesse momento Lisboa e Porto estão sendo tomadas por brasileiros não só como turistas, como também para trabalhar, estudar, investir num mercado mais estável, ou mesmo para morar depois da aposentadoria em busca de uma melhor qualidade de vida. Atualmente cerca de 105 mil brasileiros residem em Portugal.
O professor e ensaísta português Arnaldo Saraiva, em artigo publicado no Jornal Público de 15 de julho, sobre a presença dos brasileiros em Portugal, chama atenção para os números oficiais que, segundo as estatísticas, equivalem a um quinto da totalidade dos estrangeiros no país.
“Mas pelo que vemos e ouvimos em espaços públicos e privados, na televisão e na rádio, temos a sensação de que serão muito mais; aliás, nesses números não entram os chamados luso-brasileiros e os turistas que renovam habilmente a sua permanência”.  
Continuando no seu artigo, o ensaísta Arnaldo Saraiva, chama ainda atenção para os excluídos dessas estatísticas, as legiões de artistas que atuam nas telenovelas, nos teatros, os cantores populares e inclusive os das músicas sertanejas que fazem sucesso em Portugal. E, sem dúvida, as telenovelas da Rede Globo são as responsáveis para que essas legiões de espetáculos com artistas brasileiros continuem fazendo sucesso, desde a exibição da telenovela Gabriela em 1977 aos dias atuais.    
Arquivo pessoal - Padrão dos Descobrimentos
Lisboa-Padrão dos Descobrimentos
Encontramos brasileiros nos restaurantes, nos cafés e bares, nas lojas, no taxi e uber, nos hotéis, clínicas médicas, nos pontos turísticos, como entregadores de pizza, como empregadas domésticas, nos times de futebol da primeira à última divisão, na televisão e na rádio, nas universidades, como grandes empresários e em tantas outras atividades. Onde chegamos ouvimos quase sempre alguém falando português com o sotaque brasileiro. Eita! ele é brasileiro também.
São brasileiros de diferentes classes socioeconômicas que estão espalhados por todo o país, evidentemente os ricos escolhem para morar em Lisboa ou na área metropolitana da capital como Cascais, Estoril ou em outras regiões como  Douro e Algarve.  Estão investindo em imóveis de alto padrão, só compram carros de luxo, circulam nas ruas exibindo ostensivamente relógios e outras joias de grife sem medo de roubos e assaltos.
A Revista do Expresso, uma publicação do jornal semanário Expresso, na edição de 3 de agosto publicou uma extensa reportagem assinada pela jornalista Catarina Nunes sobre a vida dos milionários brasileiros em Lisboa.
“A imagem de Portugal de país desinteressante, atrasado e fora de moda está a dissipar-se na cabeça dos brasileiros, em particular na dos milionários, que deixam o Brasil e rumam de braços abertos para o “país irmão”. Seja para fugir da crise e da insegurança ou da Operação Lava Jato. Por cá, e com dinheiro sem limites, replicam o estilo de vida que trazem de São Paulo ou do Rio de Janeiro e contribuem para fazer disparar o preço do imobiliário e as vendas de marcas e produtos de luxo”.   
Arquivo Pessoal - City Tour Lisboa
Lisboa-Partida para City Tour
Os brasileiros de menor poder aquisitivo, mesmo ganhando menos, em Portugal vivem melhor e com uma qualidade de vida superior à que teriam aqui no Brasil. Com o salário base – mínimo – pode-se morar dignamente em casa com água, luz, aquecedor e esgoto mesmo que seja em bairros mais afastados dos grandes centros. O transporte coletivo facilita a mobilidade urbana, o ir e vir de casa ao trabalho, o sistema de saúde e de ensino público funciona satisfatoriamente. O IVA (Imposto sobre Valor Acrescentado) tem uma taxa menor para os alimentos básicos, é compatível com a rede dos trabalhos de baixos salários e consequentemente a classe operária tem melhor poder de consumo. Ouvi de alguns brasileiros de vários níveis de escolaridade que mesmo ganhando menos não pretendem voltar para o Brasil, pelo mesmo a curto prazo.  
Viver em Lisboa, no Porto ou em outras cidades em Portugal, quase não é necessário instalar nas casas cercas elétricas, câmeras de segurança, nos prédios de apartamentos não tem porteiro 24 horas ou qualquer outro sistema de segurança porque o modo de vida possibilita chegar e sair de suas moradas com tranquilidade.
 Mas, todo esse crescimento do fluxo turístico, essa abertura para os “irmãos brasileiros” que chegam para morar, investir, trabalhar, estudar ou mesmo buscar uma melhor qualidade de vida tem suas vantagens e desvantagens para os habitantes “nativos” que se sentem um pouco incomodados com tantas mudanças na vida cotidiana de sua cidade, do seu bairro e até da sua rua. Portanto, portugueses e brasileiros falam a mesma língua com sotaques diferentes, com algumas identificações nos hábitos e costumes, mas não são iguais como todo e qualquer irmão e quando não são de sangue são ainda mais diferentes.
Arquivo pessoal, Lisboa-Parq Eduardo VII
Lisboa-Parq Eduardo VII
Algumas vezes presenciei portugueses incomodados com a presença de brasileiros, mas felizmente é ainda uma minoria que tem esse tipo de atitude.  Nossa isso só pode ter sido coisa de brasileiro!!   Principalmente quando há uma situação de pequenos furtos ou roubos, coisa rara mas pode acontecer. Ou sobre o comportamento das mulheres brasileiras. Meu marido foi lá fora e ainda não voltou, espero que não tenha encontrado uma brasileira. Ouvi uma mulher comentando com outra numa dessas festas populares preocupada com a demora do marido que tinha saído do salão da festa onde tinha brasileiros e principalmente brasileiras. Acho que é uma percepção ainda com os resquícios das avalanches de jovens bonitas brasileiras levadas por quadrilhas organizadas para trabalharem em casas de prostituição ou de programas sexuais de alto nível.         
Portugal já não é mais um país só romântico, da tristeza cantada nos fados, do bacalhau, do azeite, do vinho, dos doces conventuais, das festas religiosas e profanas populares principalmente nos meses de verão. É tudo isso, mas vem passando por profundas mudanças com a sua descoberta como importante destino turístico nos últimos anos e como consequência cada vez mais se modernizando para atender a demanda de consumo dos estrangeiros que lá chegam para desfrutar de suas belezas naturais e culturais.
Lisboa é atualmente uma cidade globalizada, é cada vez mais hibrida onde convivem pessoas de diferentes nacionalidades em espaços pequenos e interagindo com o tradicional e o contemporâneo. Portugal, mesmo assim continua um pais da afetividade e da paixão pelo fado de Amália Rodrigues e pelo futebol das duas maiores torcidas Benfica e Sporting.

Faz favor e, obrigado.

4 comentários:

  1. Interessante constatar... há ainda uma visão preconceituosa em relação aos brasileiros. Mais interessante ainda é constatar a incoerência de muitos brasileiros que vão para lá, um país de bases socialistas, e aqui representam o conservadorismo mais atrasado e desigual que se pode ter...

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  2. Osvaldo, muito boa descrição das mudanças que continuam ocorrendo em Portugal. Tenho ido quase que duas vezes ao ano ao país e nunca o encontro como deixei. É sempre surpreendente e inovador, me passa um senso de seriedade e responsabilidade com a coisa pública que nem imaginamos experimentar no Brasil. Além disso, a criatividade salta aos olhos, nos magníficos projetos de restauração e na cultura que explode em topa parte. Viva Portugal!
    Abraço
    Henrique

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  3. Meu caro Osvaldo, gostei de ler o seu texto, que vale também por ser um bom testemunho de um brasileiro de nascença. O abraço melhor para você e para Rosinha do

    Arnaldo Saraiva

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