quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

A Festa de Carnaval





O Carnaval é uma das maiores festas populares do Brasil. Os seus preparativos começam logo após o término do ciclo natalino se estendendo até a quarta-feira de Cinzas. Nos três dias que antecedem o início do período da quaresma o mundo “vira pelo avesso”, são três dias de muitas festas, brincadeiras e fantasias.   Há uma inversão – permitida – da ordem social, são manifestações de fugas das normas do nosso cotidiano, dos padrões morais e da aceitação do grotesco. As pessoas fantasiadas de animais, de reis, piratas, pierrôs, colombinas, jardineiras, homens vestidos de mulher ou mulheres vestidas de homem. São os foliões que saem às ruas em blocos, troças, cordões e escolas de samba para festejar o ciclo momesco, para brincar o Carnaval e que, sem saber, estão repetindo tradições milenares que têm suas origens na Europa Ocidental.

O Carnaval da atualidade originou-se no Entrudo, festa remota, medieval, derivada das antigas Festas dos Loucos, dos Cortejos dos Loucos, onde nasceram os cordões vermelhos e verdes, surgindo mais adiante o cordão azul, até hoje presentes nos autos populares do folclore brasileiro.
O Carnaval é trazido para o Brasil pelos portugueses. As festas realizadas nos salões, nos teatros, os bailes de máscaras organizados pela aristocracia tiveram como inspiração o Carnaval de Veneza e da França.  A forma mais antiga de festejar o nosso Carnaval era o Entrudo, desde os tempos coloniais quando as brincadeiras aconteciam entre os cordões Carnavalescos e com a participação do povo.  
O Entrudo, no Brasil, manteve por muitos anos a sua origem européia, do jogo de mela-mela, da água de cheiro, da sátira à aristocracia e mesmo com toda a repressão policial as brincadeiras do Entrudo resistiram ao tempo e chegaram aos nossos dias.
 Até meados de 1800 havia uma nítida separação entre o Entrudo e o Carnaval. O primeiro tinha o sentido anárquico do “mundo pelo avesso” e o segundo – mais organizado – era uma festa para descontração das elites da época colonial.
O Entrudo chegou a tal ponto que as autoridades do Rio de Janeiro resolveram proibir.  O folclorista sergipano, Luiz Antonio Barreto no seu livro, Um novo entendimento do folclore, faz o seguinte registro: “O Entrudo guardou, no Brasil, a idéia de ser um jogo, tal qual nasceu. No Rio de Janeiro, por exemplo, o fiscal da Freguesia da Candelária, em 1853 assim se refere à festa: Fica proibido o jogo do Entrudo; qualquer pessoa que jogar incorrerá em pena de quatro a doze mil réis; e não tendo como satisfazer, sofrerá de dois a oito dias de prisão. Sendo escravo sofrerá oito dias de cadeia, caso o seu senhor não o mandar castigar no calabouço com cem açoites."  
Foi por volta de 1855 que o Carnaval ganhou as ruas, os intelectuais, os artistas e as pessoas próximas da Corte passaram a sair fantasiadas em carros alegóricos. A historiadora Lilia Schwarcz, no seu livro As barbas do Imperador, referindo-se ao Carnaval do Rio de Janeiro de 1855, quando a passeata do Congresso das Sumidades Carnavalescas saiu pelas ruas faz o seguinte relato: “Nessa data, uma comissão dirigiu-se ao Palácio de São Cristóvão a fim de pedir que D. Pedro II e as princesas estivessem no Paço da Cidade na ocasião da passagem do Congresso. O pedido foi atendido e o imperador assistiu ao desfile desse grupo seleto, do qual faziam parte vários ‘’homens de letras’’, como José de Alencar, Manuel Antonio de Almeida, Pinheiro Guimarães, Augusto de Castro, Lourindo Rabelo”.
No início do século passado já havia uma convivência do Entrudo com o Carnaval, as formalidades eram esquecidas no período da festa, como também as diferenças sociais, de idade e de sexo. Com a finalidade de transformar o Entrudo em uma festa mais branda, a aristocracia cria as Grandes Sociedades que saíam desfilando pelas ruas arrastando estudantes, jornalistas, artistas e escritores. Era uma tentativa de afrancesar o nosso Carnaval. Em resposta o povo cria os barulhentos blocos de Zé-Pereira, homens que no sábado saiam às ruas tocando grandes tambores e bombos anunciando a chegada do Carnaval.
É uma manifestação de origem portuguesa ainda muito popular no Norte de Portugal. Os foliões entoavam músicas de evocação ao período momesco: “Viva o Zé-Pereira/Que a ninguém faz mal/Viva o Zé-Pereira/No dia de Carnaval. Até hoje também acompanham as procissões e animam as festas locais. A festa de Nossa Senhora da Agonia em Viana do Castelo, uma das mais tradicionais festas religiosas do Norte de Portugal é famosa pelos desfiles dos zé-pereiras.
O Carnaval da atualidade, com todas as modificações impulsionadas pela indústria cultural, guarda ricas manifestações das tradições culturais ibéricas, é ao mesmo tempo uma manifestação popular para animar o povo e um grande negócio para a indústria cultural.
É impressionante o poder de criatividade do povo brasileiro que cai na folia durante os três dias de Carnaval, esquecendo as amarguras da vida vestem-se de rei, doutor, padre, freira, lorde, de papamgu e de tantas outras fantasias.
Agora seria um grande equívoco pensar que todas as transfigurações do Carnaval são alienantes. É, na verdade, uma ocasião para extravasar as insatisfações, expulsar as mazelas sociais, de fazer crítica às autoridades, aos políticos e ao poder econômico, sem rancor e sem raiva mas com a maledicência e o jeitinho brasileiro. Qualquer semelhança do nosso atual Carnaval com os antigos festejos do Entrudo, trazido pelos portugueses, não é uma mera coincidência.





3 comentários:

  1. Que bela registro da história do carnaval, Osvaldo! Como sempre, um olhar singular sobre a cultura popular. Parabéns!

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  2. Maravilha de postagem, professor.

    Não acredito naqueles que acham que a solução do Brasil passa por legislar/burocratizar e "moralizar" aquilo que o Brasil tem de mais autêntico...

    Moralistas: larguem o carnaval.

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  3. Muito bom o texto, retrato e registro do nosso carnaval. Manifestação que nos fazer sair do nosso cotidiano por pelo menos 4 dias."A fuga do cotidiano" e o esconder por de trás das mascaras...

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